Corpo do artigo
Nos últimos cinquenta anos fizemos um longo caminho no que diz respeito aos direitos e oportunidades das mulheres. Hoje, a maioria das pessoas licenciadas são mulheres e duas em cada três pessoas que concluem o doutoramento também. No setor da cultura, é inegável que temos uma quantidade enorme de artistas mulheres com carreiras muito interessantes, na música nomeadamente, em que existem cada vez mais cantoras que são também compositoras, letristas e gestoras da sua própria carreira, com grandes êxitos e muito reconhecimento. Apesar disso, em época de semanas académicas, percebemos pelos cartazes que na programação das festas universitárias essas mudanças não tiveram impacto.
Pensando nas semanas académicas como a celebração do término das licenciaturas, seria de supor que havendo uma maioria de mulheres celebrantes, a programação fosse mais diversa e paritária, mas não. Analisando os cartazes de Porto, Coimbra, UTAD, Castelo Branco, Aveiro, Braga, Viana do Castelo e Algarve, vemos que no máximo temos duas ou três mulheres numa semana de programação musical, mais uma ou outra tuna feminina. A esmagadora maioria dos artistas contratados são homens. Na Queima das Fitas do Porto, por exemplo, em cerca de vinte nomes, temos a Rosinha como exceção, na de Coimbra, até agora, só foram anunciados nomes de artistas masculinos e são as duas maiores semanas académicas do país.
Ora o argumento de falta de oferta não se coloca, num país em que, no segmento da música urbana, pop e popular (estilos que habitualmente compõem estes cartazes), temos muito mais artistas mulheres no ativo do que alguma vez tivemos na nossa história. Já para não falar no argumento de que não chamariam tanta gente, pois basta estar atento a fenómenos como Bárbara Bandeira, Carolina Deslandes, Nenny, Soraia Ramos, Bárbara Tinoco, Jura, Iolanda, entre muitas outras, para perceber que se passam nas rádios mainstream, se têm milhares de seguidores nas redes sociais, muitos streams das músicas e visualizações nos vídeos, é porque têm público.
Mas mesmo que assim não fosse, por uma questão de diversidade e igualdade, esperar-se-ia que os programadores de festas académicas (sendo jovens e trabalhando para o seu segmento) tivessem maior sensibilidade para o problema da sub-representatividade feminina dos cartazes. Enquanto as mulheres artistas não tiverem as mesmas oportunidades de profissionalização, remuneração e divulgação, não haverá justiça nesta indústria. O plano é inclinado, num mercado muito pequeno e já de si difícil. E entristece-me que os jovens universitários, escolarizados e com acesso à informação, não pensem sequer nisso, ou se estejam a marimbar para a igualdade de género nas suas programações, e que as miúdas não se importem de dar o seu dinheiro e o seu aplauso em festas onde a música feita por mulheres quase não tem lugar.