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Hoje é dia de consoada. Véspera do Natal do Senhor, o dia em que o mundo cristão celebra o nascimento de Cristo, essa figura "decisiva e determinante" da história da Humanidade que, como nos lembra Anselmo Borges, teve "efeitos e repercussões assombrosamente humanas e positivas".
A maior de todas terá sido essa ousadia de definir o Homem como espelho de Deus, o Homem que O não pode amar se renegar o seu reflexo, ou seja o seu próximo.
E por estes dias em que o próximo distante, o homem fugitivo, pobre e abandonado, entra aos tropeções pelas nossas casas adentro, enquanto tomba de um qualquer barco de borracha, os portugueses afirmam a sua herança cristã, confessional ou não, interessando-se, mobilizando-se, e acolhendo com uma alegria genuína e tocante.
Enquanto as autoridades titubeiam e as nações civilizadas tentam minimizar o esforço, mais de 100 autarquias manifestaram a sua disponibilidade para acolher refugiados. A Plataforma de Apoio aos Refugiados estruturou-se em tempo recorde e integra um sem número de instituições civis e religiosas entre as quais a comunidade islâmica de Lisboa.
A Cáritas vai fazer doar uma parte da sua campanha de Natal, a União das Misericórdias confirmou a sua capacidade para acolher um número significativo de famílias, as universidades, os artistas, os clubes de futebol, todos se disponibilizaram para ajudar, receber, acompanhar.
Isto no país. Mas também na minha rua.
A capela do Colégio das Escravas, no Porto, em cuja Eucaristia dominical por vezes participo, recuperou uma casinha deteriorada que existia no seu terreno e com doações e trabalho quase gratuito da maioria dos fornecedores transformou-a numa simpática habitação para uma família de seis pessoas que há de chegar.
Pais e alunos conseguiram, em tempo recorde todo o recheio. De mobília a roupas, de tapetes a cortinas, de eletrodomésticos a brinquedos tudo apareceu e se instalou para que o acolhimento seja um alívio fraterno e concreto à dor e ao sofrimento entranhado em todos os que vêm chegando.
Olhando para trás, para um ano que vai acabando e que foi tão duro para tantos de nós, é inspirador testemunhar que, coletivamente, não perdemos a capacidade de perceber o que é essencial e de lutar, tendo disso consciência ou não, para que os "efeitos assombrosamente humanos e positivos" da figura de Cristo continuem vivos, a partir do que cada um de nós escolhe fazer. Boas Festas!
ANALISTA FINANCEIRA