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Se todos fôssemos gente de ler, e um recente estudo mostra que não somos, poderíamos ter salvação, o que não significaria fazer de todos intelectuais empedernidos. Ser intelectual é bom, embora incompreendido pelos grunhos desta vida, mas ser empedernido não. Devemos olhar os outros de coração aberto.
Daí que, embora ainda nem tenha folheado o volume que o jornalista Miguel Carvalho escreveu sobre o partido Chega, vejo, por entrevistas do autor, que uma das conclusões a que chegou encaixa nas minhas reflexões pessoais. Diz ele que "quem criou o Chega foram os governos que falharam com a palavra dada", tenho pensado eu que a única forma de escaparmos do abismo (porque o extremismo protofascista é o abismo) é devolver a vida às pessoas. É combater a amargura de um povo que se sente abandonado. Esmagado pelo drama da habitação, com o prato vazio, sentindo escorrer por dentro as lágrimas de um desencanto cristalizado.
Ventura, ao falar em hambúrgueres, ser desmentido e choramingar por os jornalistas não lhe perdoarem um lapso, sabe muito bem o que faz. Primeiro, convence os (muitos) que acreditam que o presidente foi trincar big macs a Berlim. Depois, comove os que o amam. Ventura e o Chega nada propõem, nada pensam de estruturado. Mas estão prontos a dizer as piores atoardas, desde que isso os aproxime do poder. E isso é muito difícil de combater. Requer determinação dos democratas, que, porém, seguem os seus combates como se nada fosse.
À esquerda, como na ascensão de Adolf Hitler, os partidos só veem os seus quintalecos e lutam entre si. Enquadra-se aí a candidatura presidencial de Catarina Martins. À direita, vemos gente que vive no país de há 50 anos. Outro jornalista, Pedro Tadeu, publicou um livro a que chamou "Porque sou comunista", levando João Miguel Tavares, um colunista conservador, a escrever no "Público" que "o comunismo continua a ser generalizadamente entendido como uma ideia bonita, que apenas correu mal de todas as vezes que foi aplicada". Isso, queixume de uma direita que desdenha alguma intelectualidade alegadamente dominante, é meia verdade, uma forma perversa de mentira. O comunismo falhou e, digo-o eu, que nunca fui comunista, está condenado a falhar, como o seu oposto, o liberalismo económico. Porém, o comunismo, enquanto doutrina, não preconiza a violência como o ideário fascista ou nazi e todos os seus sucedâneos. Não é a mesma coisa.