Uma espécie de comoção trespassou o coletivo de cabeças pensantes da política e os colarinhos brancos da finança portuguesa nas últimas horas. Esquematizado no laboratório técnico e de marketing do ministro das Finanças, o Governo partiu com certezas para um primeiro ensaio de fuga à assistência internacional a que está sujeito desde meados de 2011. Vítor Gaspar montou uma operação de regresso parcelar aos mercados financeiros e averbou uma vitória. A bastante para elevar o moral, em contraciclo às dores de cotovelo provocadas à Oposição.
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Os afamados e diabolizados mercados "bancaram" 2,5 mil milhões de dívida pública a cinco anos a 4,89% de juros - e até se dispunham a arriscar 12 mil milhões. O povo assistiu ao coro de palmas, meio aturdido.
A dúvida-base é esta: os efeitos da recandidatura e recolha de fundos de modo autónomo nos mercados financeiros internacionais em que medida vão melhorar as nossas vidas?
A pergunta está muito longe de valer um milhão de dólares (ou euros?).
Embora se deva assinalar o mérito da criação de condições para voltar a jogo, servirá de muito pouco o reganhar de alguma autonomia nacional, eventualmente mais marcada se capaz de cumprir à risca o memorando a que está o país obrigado pelos credores até meados de 2014.
Os mercados não são agiotas porque sim. E nessa medida, recusando riscos, não estão disponíveis para alimentar o aligeirar da austeridade.
A política financeira de Portugal, arrastando a vertente económica, está condenada a viver segundo os limites determinados - impostos - pela União Europeia e, sobretudo, os ditames alemães na Zona Euro.
Queira ou não o Governo - o atual ou os próximos - os portugueses estão obrigados a permanecer de cinto (muito) apertado. Os empréstimos internacionais jamais alimentarão novos défices... ou evitarão mais e aprofundados cortes, sobretudo no Estado social, incluindo os ligados aos anunciados quatro mil milhões já projetados. E para não haver dúvidas basta recordar a obrigatoriedade de cumprir as regras impostas no Pacto de Estabilidade e Crescimento, as quais impõem ajustamentos anuais no PIB não inferiores a 0,5% e um limite de dívida pública fixado nos 60%, estando o Estado obrigado a reduzir o valor acima a uma taxa média de um vigésimo por ano, numa média de três anos. E, já agora, os condicionamentos orçamentais a que está sujeito o próximo Quadro Comunitário de Apoio, a partir de 2014.
Não haja ilusões.
O bater palmas ao regresso aos mercados financeiros não corresponderá ao regresso dos portugueses aos outros mercados, mais das suas vidas. Nos mercados do Bolhão, da Ribeira ou outro qualquer, o povo continuará a contar os cêntimos para comprar dois chicharros, um quilo de carne de segunda ou uma couve-penca.