Corpo do artigo
A 5 de fevereiro último publiquei aqui mesmo um texto intitulado "Obama e Merkel dançarão?" em que chamava a atenção para dois factos novos na política internacional: a proposta do presidente norte-americano à União Europeia para a criação de um bloco comercial e a maior zona de comércio livre mundial e a promessa da chanceler alemã de lutar para que "finalmente se acabe com os paraísos fiscais".
A combinação destes dois factos tem um significado mais profundo que os dos habituais "sound bites" que precedem as cimeiras dos países mais ricos, como a próxima, em junho, do G8. Muito provavelmente trata-se da assunção pelos dois dos mais importantes líderes políticos de que a convivência do capitalismo sério com o capitalismo selvagem é uma espécie de cavalo de Troia que ameaça destruir a democracia.
Sinalizado por alguns especialistas, o fenómeno de apropriação do comércio mundial por capitais gerados em redes mafiosas - algumas alojadas nos próprios aparelhos de Estado - há muito que foi tomado como ameaça séria pela Reserva Federal americana e eleita por Obama como prioridade de ação política na ordem internacional. Este problema, que se tornou numa evidência para os EUA, tem sido uma charada para a União Europeia que, ao invés do seu principal parceiro comercial, abateu as fronteiras dos seus estados-membros mas não criou um poder político federal para se proteger enquanto bloco, sequer para mandar na sua própria moeda.
Apesar dessa insuficiência de poder político, a verdade é que, na sequência da promessa da senhora Merkel, o Banco Central Europeu e a Comissão não perderam a oportunidade de desenhar um programa de ajuda financeira a Chipre visando transformar a lavandaria cipriota de dinheiro fugido a impostos num sistema bancário um pouco mais limpo. Por isso, não compreendo a grande histeria de comentadores, analistas e políticos contra o confisco de contas bancárias e respetiva sujeição a taxações consequentes, sabendo todos nós que a proveniência desses dinheiros vai muito para além de polidas designações como a de "oligarcas russos" que o sistema capitalista encontrou para ir convivendo com mercados paralelos e negros, crime organizado e máfias cujos lucros têm sido lavados nos "nossos" paraísos fiscais.
Os sinais que surgem como em Chipre (e antes na própria Grécia), de que passamos dos alertas para o combate pelas nossas democracias, parecem ser expressão não de um miraculoso sobressalto das lideranças, e sim de consciência. Consciência de que o dólar e o euro estavam sujeitos a incontrolável e permanente desvalorização. Porque parte dos dólares e euros que circulam provêm da lavagem de dinheiro que não contribuiu para o Estado social: educação, saúde, justiça, etc...