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José Sócrates pode ter-se enganado nas suas previsões económicas e não ter conseguido antecipar a crise mundial que pôs a nu as nossas debilidades, assentes em anos de gastos demasiados. Mas politicamente não se enganou. Como bom político, ele sabia que os seus parceiros europeus acabariam por encontrar uma solução que impedisse a pulverização de pedidos de ajuda ao FMI e matasse o euro e o sonho da Europa (bastaria que chegasse a vez de Espanha e tudo se desmoronaria como um castelo de cartas). Apesar de tudo, teve sorte, ter-se-á safado nos últimos instantes. Mas, agora que se começa a clamar que o FMI já não vem (na última semana já nem foi assunto), Sócrates não terá sido surpreendido porque isso foi o que ele sempre disse.
Angela Merkel acabou por chegar--se à frente e impor condições que, a partir de agora, sofrerão apenas ligeiros acertos mais do agrado dos países pequenos. Mais coisa menos coisa, a Alemanha impõe uma idade da reforma idêntica à que ela própria pratica (67 anos) e bem diferente dos luxos de outras paragens (os franceses protestam por Sarkozy querer fixar a reforma nos 65 anos, os gregos têm profissões ditas de risco que cessam aos... 50 anos e Espanha e Portugal já deram sinais de que reforma antes dos 67 será impossível). Na óptica alemã, os salários terão de crescer abaixo da linha de inflação, os limites do défice deverão estar fixados na Constituição e terá também de se fazer caminho para uma harmonização fiscal. Tudo conferido, a senhora Merkel abrirá os cordões à bolsa e reforçará os cofres dos fundos europeus onde os países em dificuldades se financiarão em condições mais vantajosas que as actuais e sem precisarem de recorrer à dureza do FMI. Bem vistas as coisas, a senhora Merkel, fosse pela proximidade de eleições internas, fosse pela circunstância de querer salvar o euro e a Europa, esticou a corda até os estados gastadores estarem cientes de ter chegado ao fim da linha do crédito fácil. Nada de mais, convenhamos. Mais: até lhe devemos agradecer.
Perante este quadro altamente favorável às suas propostas, pois bastar-lhe-á ser implacável no controlo das contas internas, mal se compreende que José Sócrates não tenha mão no partido. Esta semana, as repetidas afirmações de Jorge Lacão sobre o número de deputados, "a contrario" da direcção parlamentar e da própria direcção política do Governo, mostraram um PS perdido em questões secundárias, dando tiros nos pés, distante do que é a realidade que neste momento passará mais, por exemplo, pela reunião que Cavaco Silva teve em Belém com banqueiros do que a discussão sobre o número de deputados que já se sabe que, de momento, não gera consenso e divide, por muito que isso nos possa a todos parecer estranho, por muito que a proposta de Lacão até venha ao encontro do que possa pensar o cidadão médio.
Mas os partidos são assim. No PSD, onde aparentemente tudo vai sendo bem feito, desde a boa intervenção do líder no momento da vitória de Cavaco até à forma como se vai conjugando o debate interno com a necessidade de atrair os independentes que sempre engrossam o "centrão", à semelhança dos Estados Gerais do PS, também houve esta semana um grande tiro no pé, um golo na própria baliza. Aconteceu quando, apressadamente, Pedro Passos Coelho se referiu à necessidade de fechar as empresas públicas que dão prejuízo, tão apressadamente que não conseguiu corrigir a pontaria, metendo tudo no mesmo saco.
Erros como estes diminuem os partidos e as margens de erro vão ficando mais escassas à medida que se caminha para um tempo em que as eleições são possíveis. O PS prepara-se para nova entronização de Sócrates, o que lhe dará novo alento. Mas o que realmente conta e contará é o controlo das contas. Se o rigor vencer, o PS poderá sobreviver à vontade do PSD ser Governo, à tentação de Cavaco acertar algumas contas, quem sabe até à discussão de novo Orçamento do Estado. Mas se o défice não se contiver, então a dúvida que interessa é outra: precisará ou não o PSD do CDS para fazer um governo estável?