E de repente o Mundo muda, quase sempre através de pequenas notícias. Não a da vitória de Obama, que é grande mas esperada, não a 'novidade' de que o Porto tem o maior número de pessoas em rendimento mínimo e índices de pobreza assustadores, não a de que o Governo não sabe o que fazer com o Estado e o PS também não. Talvez outra, simbólica: a da fusão entre a Lufthansa e a Turkish Airlines. Um facto que pode ligar todos os outros assuntos.
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Olhemos para a crise europeia. Os alemães já perceberam que os países do Sul estão atolados de dívidas e não vão continuar a comprar os seus produtos (igualmente financiados pelos seus bancos). Para a economia alemã a saída passa pelos países de Leste (onde já estão, em força) mas sobretudo pela Ásia. A Turquia é a 15.ª maior economia mundial e uma plataforma de entrada na 'Ásia próxima' e Médio Oriente. Cresceu 8% no ano passado - mais que os 7,5% da China, 5,5% da Índia e a milhas dos 0,5% do Brasil. Um pormenor: veja-se as camisolas do poderoso Manchester United - a Turkish Airlines é o principal patrocinador. Outro dado: ainda há um ano a Economist noticiava que a lista de espera para carros de luxo de alta cilindrada, alemães, na Turquia, era de vários meses.
A fusão tem tudo para andar. A Lufthansa e a Turkish já detêm, aliás, uma empresa a meias, a SunExpress, uma espécie de low-cost com um mercado-base: os cinco milhões de turcos que vivem na Alemanha. É natural, portanto, que Angela Merkel e o primeiro-ministro turco, Tayyip Erdogan, tenham acertado pessoalmente as agulhas da fusão das companhias aéreas. Mas agora repare-se: qual o principal foco de hostilidade entre países na Europa? Turcos e gregos (de que Chipre dividido é um bom exemplo). Até quando vai a Alemanha suportar a Grécia? Com que objetivo?
Outro dado crucial: por que não entrou ainda a Turquia na União Europeia? Sobretudo pelas reticências francesas mas principalmente alemãs. Ora, esta fusão com a companhia turca - repare-se, não é uma compra, é um casamento para a vida - reflete uma opção estratégica. Dá um sinal de que as questões de integração social e religiosas podem ser mitigadas pelos alemães se isso significar criar empregos e negócios no curto prazo. Refletirá a prazo uma mudança política da União Europeia ou um sinal da sua desagregação?
Por fim, como é óbvio, isto coloca a Alemanha estrategicamente na rota árabe (e cada vez mais longe de Israel). Mas sabem os alemães conviver com os árabes a este ponto de integração estratégica? Que nova Europa cultural e religiosa este gesto pode significar? Barack Obama prova que os Estados Unidos sabem viver e eleger pessoas das minorias até para o cargo máximo de presidente. Mas Berlim está preparada para ter, um dia, um líder de Governo muçulmano de ascendência árabe?
Do ponto de vista económico, a opção alemã pela Turquia deixa-nos cada vez mais no canto da Europa. Os germânicos sempre foram os principais investidores estrangeiros em Portugal. A pequena notícia da deslocalização da fábrica alemã de ursinhos de peluche, da paupérrima vila de Oleiros para a Tunísia, não é senão mais um sinal disto mesmo. E é nesse contexto que temos de olhar, como portugueses, para o dramático esforço que temos pela frente. Sem mais exportações e efetivas alianças com países em crescimento, como poderemos não empobrecer mais? E como fazê-las no Atlântico quando, por exemplo, o Brasil é um dos mais protecionistas do Mundo?
Aqui entra a centralíssima questão da privatização dos aeroportos portugueses e a venda da TAP. Porque basta olhar para os candidatos para se perceber que o nosso principal ativo é posição geográfica e não as empresas em si. É isto que colombianos, argentinos e brasileiros valorizam em Portugal. E, uma vez que o Governo não entregou a EDP aos alemães, preferindo os chineses, só nos resta agora admitir que não foi por acaso que a Lufthansa nem sequer apresentou proposta à TAP: o eixo do Mundo está cada vez mais virado para o outro lado. Neste cenário, ter Portugal (e o Porto) como peça dum xadrez de terceiros, sem autonomia, sem Europa, e sem Governo, é arrepiante. É acelerar ainda mais o processo de empobrecimento.