<strong>1 .</strong> A capa do JN de segunda-feira era um interessante poster de fim da guerra: "Europa liberta-se de Merkel". Vi e fiquei feliz. Durante três segundos. Depois pensei: na Alemanha, a partir de hoje, as manchetes vão traduzir essa realidade de outra maneira: "Merkel liberta-se da Europa".
Corpo do artigo
A seguir notei uma coisa ainda mais desagradável: saímos do ciclo (MERkel+SarKOZY), para entrarmos num ainda mais complexo (MERkel+HollanDE), até porque os gregos estão a ajudar à festa ao começarem a avisar já que não pagam. Por fim Mário Soares disse que devíamos romper com a troika. Mas como?
Percebo: 'Oui, la France...' Foi bonita a festa, pá. Mas não basta ter boas intenções. A França tem uma dívida pública de 96% do PIB. O Estado francês gasta 56% da riqueza criada no país. Aquele 'estado social' não aguenta antecipar-se ainda mais a idade da reforma para os 62 anos ou criar mais umas centenas de milhares de funcionários públicos como foi prometido na campanha eleitoral. Para isto ser possível, a França tinha de ser igual à Alemanha nas exportações, o que não é - a menos que a proposta seja aumentar o crescimento económico através do fecho do mercado europeu e reforçar o protecionismo, coisa que a Alemanha não permitirá porque é um dos maiores exportadores mundiais.
A França, vamos vê-lo em breve, não é muito diferente da Espanha. E ou pia baixinho porque precisa do euro (leia-se Alemanha) para ter crédito barato, ou passa diretamente para o clube da Europa do Sul e a União Europeia quebra-se a meio. Infelizmente Hollande só vai servir para tornar a reeleição de Merkel uma fatalidade, dentro de um ano...
Aliás, estas eleições serviram também para se notar claramente a divisão entre dois tipos de franceses: os que não querem o país a meter dinheiro nos outros (a fação Sarkozy e da direita extremista) e os que acham que a França precisa, ela própria, de obter mais dinheiro (o que obviamente exclui ajudar os outros). Caro António José Seguro: Hollande não é um europeísta. Pelo contrário: é um francês 'normal', que pensará de princípio ao fim na França. O seu suposto endurecimento face à Alemanha não resulta em melhores condições para a Europa (do Sul). Pelo contrário: ele quer mais direitos sociais (para os franceses), mais crescimento económico (para os franceses), mais dinheiro emprestado (aos franceses). Nunca a 'esquerda caviar' e inconsequente ficou tão bem personificada numa fórmula eleitoral de laboratório...
2. E Portugal? Desde o primeiro momento que estabeleci aqui premissas tendo por base um facto: a troika veio emprestar-nos dinheiro a taxas de juro mais baixas que as praticadas no mercado. Como contrapartida exige, tendencialmente, défices zero, sob pena de a nossa espiral de dívida não ter fim. Para tal, pedem-nos contração nos gastos.
Face a este receituário digo sempre que o empréstimo inicial e a duração são curtos. O esforço que recai em três anos foi pensado, em teoria, para um ciclo eleitoral em que no quarto ano do mandato se ganham eleições... só que pelo caminho matou-se uma boa parte da economia e leva-se o desemprego aos 20%... Ainda assim, como temos de fazer alguma coisa para nos mantermos na Europa do euro, este preço pode ser suportável se, a médio prazo, tivermos mais exportações e menos importações. Alternativas? Infelizmente ainda não há melhor fórmula que não seja ter o BCE, a Comissão Europeia e o FMI a emprestarem dinheiro. Estaríamos melhor sem 78 mil milhões?
Por fim: Portugal, tal como a Grécia, também precisa de um perdão de dívida (talvez 40%?). Só temos é que o conseguir a bem (e ficar no euro) e não por rutura, como estão a fazer os gregos. Mais: podemos sonhar com a França e a Europa do Sul unidos numa moeda comum (é um plano B interessante se juntarmos aqui o Mediterrâneo). Mas... os franceses querem? Duvido. Mesmo que o euro caia, os franceses não se juntarão aos mais fracos. E para o euro cair basta que os franceses se tornem insuportáveis (o que não é difícil) e a Alemanha segue em frente com os países do Norte. O dia D - desembarque da Normandia - foi a 8 de maio. Algo se passou, desta vez, a 6 de maio, mas ao contrário.