O presidente falou e cumpriu o seu desígnio habitual: quando fala claro, semeia a confusão. Quando é ambíguo, também semeia a confusão.
Corpo do artigo
Recorreu a uma formulação estrambólica para se desobrigar (mas não em substância) de ouvir quem quer que fosse, à exceção do líder do PSD - a quem, aliás, causou grave prejuízo político. E desenhou uma linha vermelha, melhor, um rastilho de pólvora, em que excluiu o Bloco e a CDU de qualquer conversa.
Tivesse seguido com sujeição veneranda o ditame de Belém, António Costa ficava sozinho. Passos Coelho só podia falar com ele. E Costa não podia falar com mais ninguém, a não ser para certificar com lacre o desenlace feliz de um novo Governo. Mas Costa, pelos vistos, não aprecia os casamentos preparados.
O presidente inventou depois os partidos-leprosos (BE e PC).
Esqueceu no entanto que Jerónimo de Sousa, e digo-o com admiração, é uma velha mula. Na sua declaração revolucionária de que viabilizaria um Governo socialista, deixou cair NATO e UE e Tratados Orçamentais. Com este brilhante lance de póquer, estarreceu PSD e PP, que puseram os seus comentadores encartados com um ataque de nervos, a falarem de fraude e a invocarem, não a Constituição, mas a tradição ou um golpe PRECiano. A hipótese (obviamente) é legal e constitucional... mas é feio.
Não perceberam que, com tal irritação, logo se diminuíam perante Costa nas negociações, dando-lhe o papel de árbitro.
Jerónimo de Sousa tinha, depois, desenhado um golpe magistral contra o Bloco. Os comunistas surgem hoje a falar com gravidade de estadistas. Como é, Catarina?, pergunta Jerónimo. Vai ser você a matar um Governo de Esquerda?
Atenção, no entanto. Mesmo que isto tudo fosse possível - e tenho dúvidas firmes -, não seria um Governo de "Esquerda". Porque não existe "Esquerda unida" (a não ser como conceito) no atual sistema político-partidário nacional. Mas a verdade é que o saco de gatos amansou e estão hoje os bichos bem juntinhos a arranhar para fora, forçados a tal pelo enxovalho recebido do presidente.
Hoje, não é impossível um Governo com maioria absoluta, ou com apoio de mais de 50% no Parlamento, que não seja PSD/PP. Não é isso a "estabilidade governativa"?
De acordo, o mais provável continua a ser o previsível (um Governo PSD/PP). Mas não deixa de ser como dizia o Fernando Peça: e esta, hein?
*PROFESSOR UNIVERSITÁRIO