O meu Brasil, como você sabe, já é antigo. Começou por me chegar nas latas de goiabada que primos já com sotaque nas vogais nos mandavam, nos exemplares das Seleções (isso mesmo, já sem "c") onde testávamos os "Flagrantes da Vida Real", ainda antes de por aí terem deixado de ter graça as "Piadas de Caserna".
Corpo do artigo
Ri muito com o Amigo da Onça, com o Juca Chaves, com o Jô e outros tantos, portadores geniais do sorriso do tal país cordial que alguns de vocês sempre rejeitaram como retrato. Com as novelas e alguma cinematografia, comecei um dia a entender que também se chorava em "brasileiro", que nem tudo era "dia de luz, festa de sol, um barquinho a deslizar no macio azul do mar". Nos 23 estados brasileiros que visitei (são 27, não é?), pude apreciar a grandeza da vossa esperança, a diversidade da vossa gente, a brasilidade que a todos marca os genes. Li - li muito! - da vossa extraordinária literatura, do romance aos poetas e aos cronistas do quotidiano. Passei muitas horas nas vossas universidades, com gente de grande qualidade, figuras de excelência que pedem meças no mundo académico global. Por noites infindas, em botecos ou tertúlias, entre copos de amizade, discuti convosco o vosso/nosso dom Pedro - mas também o pai João que aí se fez rei e a espanhola que lhe queria trocar as voltas. E, com a abertura que só vocês permitiriam, afrontei por escrito, com desassombro quase pouco diplomático, uma lusofobia que ainda espreita em algumas esquinas do preconceito. Mas, sempre, gozando do espírito de tolerância, do debate contraditório, com admiração por um país que sempre vi eternamente grávido de uma saudável esperança no futuro. Criei por aí uma imensidão de amigos. Exultei com os vossos sucessos, tentei explicar o Brasil a tantos que nunca o perceberam e a outros tantos que nunca o perceberão. Mais do que um posto diplomático, o Brasil foi para mim uma segunda casa, onde quase "I went native", no maior erro que os diplomatas podem cometer. Falei com gente de todas as lateralizações ideológicas, dos "petistas de carteirinha" aos nostálgicos da "revolução", como os que vertem lágrimas pelo regime das fardas chamam à ditadura, passando pelos moderados de várias tonalidades. Tentei entender o país, as suas raivas e as suas ambições, os seus medos e as suas angústias. E, claro, vi chegar o que agora por aí têm. De novo com tanto mar a nos separar, só queria dizer-lhe que, vista daqui, a coisa aí está preta, meu caro amigo!
* EMBAIXADOR