Miguel Relvas demitiu-se de ministro adjunto e dos Assuntos Parlamentares e a consequência primária estava escrita nas estrelas: figuras partidárias de todos os quadrantes, incluindo o PSD, analistas políticos e simples mortais entraram em histeria. Quase ululantes, uns veem no afastamento de Relvas o desmoronar de todo o governo; outros a reposição de um princípio de dignidade no país. Seria bem mais avisado serem prudentes...
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No Governo, Miguel Relvas assemelhou-se sempre a um elefante numa loja de porcelanas. Voluntarioso em excesso, envolveu-se em sucessivas trapalhadas, fazendo e desfazendo estratégias e, obviamente, colecionando inimigos e um apetite voraz para tudo da sua vida ser escrutinado - até ao pecado "mortal", uma licenciatura obtida na base de quatro cadeiras efetivamente lecionadas e 32 na base de créditos; uma situação intolerável, talvez mais no plano da moral do que da legalidade, e da qual convém não ilibar de responsabilidades a Universidade Lusófona. Um ministro assim, para mais responsável pela coordenação política do Governo, era um engulho. Mas tinha uma vantagem para o chefe do Executivo, o seu inseparável correligionário, Passos Coelho: funcionava como um para-raios. Uma parte substancial dos disparates do Governo não estavam no cone de fogo das críticas, tamanho o afã de zurzir Relvas por nada e por tudo. Foi por isso, e até ontem, de enorme utilidade. Escusava de se colocar a jeito em muitas e muitas ocasiões, mas os genes não se mudam....
O prazo de validade de Miguel Relvas no Governo foi sempre problemático. Num cenário de remodelação governamental, para Passos Coelho seria complexo abrir mão do seu lugar-tenente. Até que......
O escândalo a envolver a licenciatura foi alvo de um relatório e, não obstante todos os esforços em gerir o processo, um dia haveria o ministro da Educação, Nuno Crato, de o tirar da gaveta... quando fosse útil. E foi agora, no zénite da conturbação política, direitinho para o Ministério Público.
Como nestas coisas não há coincidências, o melhor é acreditar numa concertação estratégica entre Passos Coelho e Miguel Relvas. Logo, a agora anunciada decisão de saída do Governo pelo próprio pé é mais uma prova de amizade e de serviço prestado pelo ex-ministro ao chefe do Executivo.
Enquanto Miguel Relvas vai continuar a andar por aí, mexendo os cordelinhos, Passos Coelho deixou de estar constrangido e ganhou margem de manobra para proceder a uma remodelação governamental sem o condicionalismo do amigo.
A chinfrineira e os aplausos resultantes da demissão são, pois, algo precipitados. Miguel Relvas saiu no momento certo.