Morreu o Miguel Veiga. Morreu um dos nossos, um dos mais antigos e mais ilustres membros da Associação Comercial do Porto. Fica o exemplo de liberdade, de cultura, de elegância e de inteligência. E fica a perda de uma imensa personalidade, que não se sentirá apenas no Porto e no país. Pessoas como Miguel Veiga fazem falta à política e, muito, à social-democracia.
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Recordo com admiração e orgulho os cartões que o Miguel Veiga fazia questão de me enviar sempre que não podia comparecer a um evento importante da Associação Comercial. Esses cartões, que guardo religiosamente, eram autênticas obras literárias, plenas de profundidade, de estilo e de ilustração. E representam, numa altura em que já se encontrava doente, uma manifestação de amor pela escrita e do maior respeito pelos rituais da forma.
Miguel Veiga era livre, era independente, era corajoso, era desapegado, era provocador. Tudo isso é verdade. Mas era também um amante das instituições, mesmo quando as questionava, e um apaixonado pela regras, que tantas vezes e tão violentamente gostava de quebrar. Não se conformava perante sistemas perfeitos ou com soluções óbvias. Era desafiante e exigente.
Em 2013, tive o privilégio de conviver mais proximamente com o Miguel Veiga. Eu na direção da campanha, ele na comissão de honra da candidatura de Rui Moreira à Câmara do Porto. Embora a saúde não lhe permitisse estar mais presente, lembro-me bem da intensidade e do brilho com que me abordava para conhecer a minha opinião e as minhas expectativas sobre o desenvolvimento daquela grande aventura.
A candidatura de Rui Moreira foi a última grande causa que o Miguel Veiga estimulou e abraçou. E fê-lo como sempre fez em todas as causas em que se envolveu: com paixão, com intensidade e com espírito crítico. Acima de tudo, com um grande amor ao Porto. O mesmo amor que ao longo da vida o levou a lutar, com o sucesso que é conhecido, pela constituição da Fundação de Serralves, de que é um dos "pais", contra a construção dos molhes da Foz do Douro, pela manutenção do Coliseu do Porto como "a" sala de espetáculos da cidade, ou pela candidatura de Rui Rio à Câmara, em 2001.
O amor do Miguel Veiga ao Porto foi também um grande amor por Portugal. Desde a oposição democrática à fundação do PPD, com os seus amigos Franciscos - Balsemão e Sá Carneiro. Sempre um lutador, mesmo que solitário. Sempre uma voz forte e reverencialmente escutada, mesmo que isolada. Nos tempos que correm, em que a coragem muitas vezes está condicionada ao cálculo e a liberdade tão subordinada aos interesses da correção política, o Miguel Veiga, que era único e por isso seria sempre insubstituível, faz ainda mais falta.
* EMPRESÁRIO E PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO COMERCIAL DO PORTO