Corpo do artigo
Todas as fotografias são memento mori, porque "tirar uma fotografia a uma pessoa (ou coisa) é participar na sua mortalidade, vulnerabilidade e mutabilidade. Precisamente por fixarem um momento, todas as fotografias demonstram a imparável passagem do tempo". Costumo recordar-me desta passagem (em tradução livre) do ensaio "On Photography", da Susan Sontag, sempre que o assunto são as "selfies" e a cultura de autoindulgência que grassa por aí. Quanto mais fotografias tiramos, quanto mais partilharmos da nossa imagem, da nossa cara, dos pormenores e linhas com que o destino nos coseu, melhor demonstramos a nossa própria fraqueza: os dias ainda por aqui continuam, imparáveis, e todos devíamos saber que aquele momento de luz agarrada pela lente não irá voltar, nunca. Pergunto-me sobre a razão da urgência sentida por tantos para registar e se registarem quase em contínuo. Como se o que vivem deixe de existir se não ficar assente em imagens e séries de "selfies" tiradas em série. Parece que nada conta se for apenas contado, ou se for só para ser construído depois, resgatado à memória. Neste tempo de obsessão com a juventude, insistem, memento mori, em mostrar provas de que vão morrer. Mas isto é também um problema tão velho como o tempo. Se Narciso perdesse o seu pau de "selfie", só resolvia metade do problema.