Ministério das Cidades precisa-se
O INE divulgou esta semana o documento "Cidades Portuguesas: Um Retrato Estatístico", que resulta de um tratamento dos dados recolhidos no último recenseamento da população. As conclusões avançadas vêm confirmar os desequilíbrios que conhecemos, só que o facto de estarem quantificadas confere-lhes um valor e credibilidade que convocam para a ação. As cidades não são vistas por quem nos governa como um estratégico espaço de oportunidade e equilíbrio para o conjunto do território. Por isso mesmo, proponho um Ministério das Cidades.
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O histórico do povoamento no território português revela uma tendência para a urbanização e, por outro lado, um desenvolvimento assimétrico do sistema urbano. Os dados agora divulgados mostram que existiam, em 2011, 159 cidades, onde habitavam cerca de 4,5 milhões de pessoas, correspondentes a 42% da população. Convém clarificar que a população a viver em áreas urbanas é, em Portugal, cerca de dois terços do total, pois inclui aqueles que vivem em cidades e também nas vilas.
A dimensão média das nossas cidades é da ordem dos 28 mil habitantes, valor modesto que, além disso, esconde ainda uma grande heterogeneidade. A cidade capital, a maior, ultrapassa ligeiramente as 550 mil pessoas, enquanto a cidade mais pequena se fica, imagine-se, pelos dois mil habitantes! Os números mostram que, logo após Lisboa, vem o Porto com 237 mil habitantes, seguido de mais cinco cidades com mais de 100 mil e de apenas nove cidades com mais de 50 mil. As restantes 143 cidades têm menos de 50 mil pessoas.
A excelente infografia ontem publicada no "Jornal de Notícias" mostra, todavia, que o nosso sistema urbano é ainda mais desequilibrado do que parece. Se integrarmos as cidades das áreas metropolitanas de Porto e de Lisboa, resta no Continente apenas um cluster urbano de dimensão significativa. Trata-se da concentração em torno de Braga e que inclui ainda as cidades de Guimarães, Barcelos e Vila Nova de Famalicão, todas distando entre si menos de 20 quilómetros. Depois, já com dimensões mais modestas, vêm Coimbra, Aveiro, Viseu, Leiria e o sistema urbano Algarvio.
No interior, a rede urbana é rarefeita e débil. E esse é o desequilíbrio que importa tratar com maior urgência. As estatísticas tendem a organizar-se por NUT 2, que correspondem às regiões Norte, Centro, Alentejo, Algarve, Lisboa e Regiões Autónomas, mas aquilo que escondem é o problema litoral/interior, que resulta de dinâmicas que acontecem sem qualquer regulação. Tal como em muitos outros setores do investimento público em Portugal, também na política de cidades se vive desde há décadas sem um modelo explícito de sistema urbano. O jogo da oferta e procura, com que permanentemente se confrontam as populações e as empresas face às oportunidades decorrentes da dinâmica económica, vem produzindo os seus resultados e ditando uma lógica de povoamento praticamente espontânea.
O discurso do interior está hoje na agenda, sobretudo pelo abandono a que muitos dos territórios têm sido votados por parte do Estado. Mas, para além disso, importa também perspetivar um projeto de futuro para o interior. Sei da importância dos espaços rurais e florestais para o ordenamento do território e para a economia, mas não acredito numa salvação do interior que não passe pelo reforço das suas cidades. Um olhar sobre a curva do escalonamento da dimensão das cidades (algo a que tecnicamente se chama Curva de Zipf) mostra uma cauda longa, correspondente a uma imensidão de aglomerados com dimensão muito reduzida, Por outras palavras, a massa crítica, já de si escassa, está muito dispersa. A solução é a aposta nas cidades que são ainda capazes de polarizar e reter os ativos existentes no interior e, ganhando mais escala, atrair mesmo alguma população do litoral. Falo de Bragança, Chaves, Vila Real, Guarda, Viseu, Covilhã, Castelo Branco, Évora e Beja, mas também das outras que, de menor dimensão, têm potencial de polarização e podem complementar as primeiras. E para isso exigem-se estratégia, investimento do Estado e valorização dos recursos e das lideranças do interior. Isso não se faz através de um controlo remoto instalado no Terreiro do Paço .
Por tudo isto, reafirmo uma ideia que defendo há muitos anos. É que, para além dos ministérios clássicos que configuram e sustentam o Estado social (Educação, Saúde e Segurança Social), o ministério mais importante para um país com os desequilíbrios demográficos e as assimetrias de desenvolvimento como Portugal seria um Ministério das Cidades. A sua criação significa perceber a diferença entre o país "folha de cálculo" e o país real, o das "pessoas, território e valor".