O Mundo esteve sempre sujeito ao risco de depender da capacidade decisória de parvos e de loucos. Agora entrou numa fase nova: os parvos e os loucos adquiriram um estatuto de quase inimputáveis e graças a essa condição a tudo se permitem - da maior insensibilidade à desfaçatez extrema.
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Pode não ser louco, mas o parvo mais recente foi ontem revelado: o ministro das Finanças japonês. E dispõe de discípulos noutras paragens.
Um tal Taro Aso, segundo o jornal britânico "The Guardian" citado pela Agência Lusa, defendeu a que considera a melhor fórmula de tornar sustentável o Estado social e as reformas da Segurança Social de que dependem dois milhões de nipónicos. Segundo o tipo afirmou numa reunião em Tóquio, o mais adequado método de aliviar o pagamento de cuidados médicos pelo Estado "passa por os idosos doentes morrerem rapidamente". E acrescentou à sua tese de contabilista de vão de escada: "Deus queira que [os idosos] não sejam forçados a viver até quando quiserem morrer". Afinal, concluiu o parvo, "o problema [equilíbrio das contas] não tem solução, a não ser que os deixemos morrer".
A tradução do desejo de passar à prática o resultado das folhas de Excel do homólogo de Vítor Gaspar está, naturalmente, a provocar ondas de choque. E as vagas assemelham-se às dos primeiros esboços de contestação em paragens menos longínquas do nosso universo.
Descortine-se uma vantagem na parvoíce de Taro Aso: teve a virtude de dizer o que pensa, sem eufemismos.
Quando se recordam as teorias para a poupança do Serviço Nacional de Saúde expressas há dias por um secretário de Estado defensor da necessidade de os portugueses tudo deverem fazer para não adoecer, retira-se uma suspeita: há por cá quem tente chegar a objetivos semelhantes aos do parvo Taro Aso através de uma linguagem mais cifrada para convencer os incautos da bondade de propostas desumanas.
O parvo ministro das Finanças japonês teve ainda o condão do chamado dois em um: pegou na lei das probabilidades da consumação da morte - e da poupança! - juntando doença e... idosos. Um conceito primário mas igualmente a sinalizar mentes estritamente preenchidas por financismo....
Ele há coincidências....
Em Portugal, por exemplo, está em curso uma política sustentada na promoção do confronto. Entre o setor público e o privado; entre classes profissionais e, pior, entre gerações, sob a tendência para apoiar e perspetivar o futuro (jovens) em detrimento do valor do respeito e dos direitos enganosamente considerados garantidos dos mais experientes (velhos).
Ainda não apareceu por cá um parvo como o senhor Taro Aso. Até ver há esboços de gato escondido com o rabo de fora. Mas convém ficarmos de atalaia.
O Mundo, país a país, está mesmo cada vez mais perigoso.