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Ser treinador de bancada, mais do que o futebol, é o desporto favorito dos portugueses. É ou era. Nos últimos anos, a crise fez despontar vocações inesperadas e os "ministros de bancada" começaram a brotar de todo o lado, indo muito para além da associação original, muito solene, que reunia na Assembleia da República onde os treinadores se dividiam (e dividem) entre as bancadas (daí o nome?) da Oposição e do Governo. Se o bichinho também já lhe mordeu, proponho-lhe um desafio: ver quantos anos demorará Portugal a atingir o objectivo com que nos comprometemos com a União Europeia - um rácio da dívida no PIB de 60% - ou se o conseguiremos, de todo. Para isso precisa, apenas, de fazer uma estimativa (um palpite) do que acha que será a taxa média de crescimento real do PIB, qual o saldo orçamental primário (isto é, antes de juros da dívida pública) e qual a taxa de juro média dessa dívida no período. Um simulador desenvolvido pela Deloitte, para uma iniciativa do Projecto Farol e do "Expresso", calcula os anos necessários ou se vai ser bem-sucedido (http://expresso.sapo.pt/acha-que-consegue-reduzir-a-divida-publica=f857234). Vai ver que os 20 anos de Cavaco Silva são optimistas.
Osimulador tem subjacentes algumas hipóteses. Não está prevista nenhuma reestruturação da dívida; a inflação média corresponde ao objectivo do Banco Central Europeu (BCE): 2%. Ora esta última variável tem um papel importante na relativização do custo da dívida já contraída: se o aumento do nível médio de preços ficar acima do que estava previsto, o empréstimo fica "mais barato". Infelizmente para nós, a inflação está bastante abaixo dos 2%, havendo até uma discussão sobre os riscos da chamada deflação, isto é, de uma descida generalizada do nível médio de preços na Europa. Deste modo, os juros vão custar mais a pagar, ou seja, vai ser preciso crescer mais do que se a inflação fosse um pouco mais elevada. Nada que preocupe muito o BCE, o qual, mesmo quando tem à frente alguém que salvou o euro, continua dominado por uma ortodoxia ligada a países credores. Não admira, por isso, que a semana passada tenha considerado não haver razões para medidas adicionais de estímulo monetário, mesmo se a inflação prevista para os próximos 3 anos fica bastante abaixo da meta dos 2%. E lembrarmo-nos que, em 2008, com a crise a rebentar por todos os lados, o BCE andava preocupado em arrefecer a economia para evitar a inflação.
Como se não bastasse, o anúncio do BCE fez apreciar o euro, tornando os produtos europeus relativamente mais caros nos mercados internacionais. Pode-se dizer: se a inflação média na Europa for mais baixa do que no resto do Mundo, não fará grande diferença. É verdade, mas para quem, como nós, tem de trilhar um caminho tão estreito, toda a pequena ajuda faz diferença. E nós continuamos a depender muito do preço que conseguimos propor. A evidência acumula-se: o euro está, esteve sempre, demasiado forte para as economias do Sul da Europa, impedindo a convergência. A resposta já a conhecemos: encontrem maneiras de fazer a desvalorização internamente ao país. Ter preços médios mais baixos ajuda: daí a importância de estimular a concorrência e minorar custos de contexto. Não chega. Por exclusão de partes, chega-se à variável "mágica" - os salários - e aos "mexilhões". Voltemos ao simulador: se conseguirmos crescer mais e/ou se as taxas de juro forem mais baixas, é mais fácil alcançar a meta. Para isso, é preciso valorizar o que produzimos e produzir bens e serviços com maior valor. Demora o seu tempo porque não depende apenas das qualificações das pessoas e das tecnologias, mas da qualidade da gestão e esta é o que é. Não devemos abdicar de renegociar termos e condições da dívida, agora que a inflação está muito abaixo do previsto. Tudo isso é importante. Mas o que, mesmo demorando tempo, se pode fazer mais depressa e mais depende de nós diz respeito à outra variável - o saldo primário - um eufemismo para dizer "reforma do Estado". Cadilhe tem razão: vai ser preciso um grande impulso reformador. Colectivo. "Ministros de bancada" no, e com, poder são perigosos.