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Quando o Papa Francisco disse três vezes “todos”, mais valia tê-lo dito setenta vezes sete, ou outro qualquer número mais matemático e menos bíblico, particularmente quanto à inclusão de pessoas LGBT.
A rejeição dessas identidades - tenham vergonha: a rejeição dessas pessoas - é ainda uma das pragas da Igreja, sobretudo no bastião ultraconservador que prefere a missa com cheiro a latim.
Por cá, durante a JMJ, um grupo de doze, talvez com fantasias apostólicas, interrompeu uma missa de acolhimento a pessoas LGBT. Mulheres encobertas por um véu que lhes dava um ar de púdica indecência, homens de manga curta, livres das obrigações femininas, e todos irrompendo pela missa empunhando alto cruzes de madeira.
Expulsos pela polícia, acabaram ajoelhados à porta, a rezar contas de um rosário só deles. Imagino um rosário de temores. Para quem não é católico, a cena mais parece ficcional, uma volúpia religiosa que tem algo de físico, como os êxtases místicos; para quem é católico, parece ainda mais ficcional e voluptuoso, já que não é esta a sua Igreja.
Os doze foram identificados pela polícia por interrupção de culto, mas seria bom que zelotas como estes fossem identificados pela sociedade como aquela triste facção da Igreja que mais nega as identidades alheias, muito ao contrário do que tem feito e dito o Papa Francisco.
Entre outros, os luso-fariseus têm por acólito João Silveira, figurinha maior desse meio menor. Diz ele no blogue “Senza Pagare”, citado pelo último Expresso, que a invasão da missa de acolhimento LGBT foi um “acto heróico” contra a “blasfémia”, e que qualquer católico tinha “o dever de a impedir”.
As pessoas cuja identidade sexual é negada e combatida por gente como esta, e que todavia tentam manter a fé, essas sim são heróicas. Não imagino sequer de quantos actos heróicos tem sido feita a sua vida perante tantas ofensas, negações, injustiças. Tantas faltas de amor.
Apesar de caricato, o texto do “Senza Pagare” não chega a ter graça no seu medíocre luso-farisaísmo, porque é um texto de pedras na mão. Semelhantes enormidades, ditas por alguém que lá conseguiu fazer-se padre (aparentemente, pela vaidade de rasgar a batina em indignação), têm atiçado as mentes limitadas.
João Silveira talvez não saiba que o Mundo não foi feito à imagem e semelhança de João Silveira. Nem os tais zelotas invasores de missas talvez percebam que a vida não é um espelho deles mesmos. Disso, a humanidade safou-se.
O Papa Francisco tem dito muito contra esta facção. Mas ainda não foi ouvido, talvez por não falarem a mesma língua. Traduzo o todos de Francisco para a língua certa, a ver se é desta que compreendem: omnibus, omnibus, omnibus.
O autor escreve segundo a antiga ortografia