Todas as gerações diplomáticas portuguesas foram habituadas a lidar com a máquina oficial britânica, principal e incontornável parceiro de Portugal nos últimos séculos. Pertenço àquela que assistiu a uma mudança muito significativa, quase diria que histórica: daquilo que chegou a ser uma dependência tutelar quase humilhante até uma forte autonomização da nossa capacidade decisória, derivada da adesão do nosso país às estruturas europeias, com a nossa opção por uma linha integracionista que, a partir de certo momento, passou a estar quase nos antípodas da orientação do nosso parceiro na "velha aliança".
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Durante os anos em que trabalhei em Londres, testemunhei momentos muito tensos na relação do Reino Unido com Bruxelas, violentos ataques às posições, tidas por centralistas, tituladas por Jacques Delors, chefe de uma Comissão Europeia que nunca deixou de ser a mais diabolizada das instituições. Vi os britânicos exultantes com o que consideraram ser uma imensa vitória no termo da negociação do Tratado de Maastricht, a sua rejeição da moeda única, o orgulhoso isolamento que a não aceitação de Schengen representou, entre outros "opt out" tidos por sucessos protetores do interesse de Londres.
Lidei com diplomatas e alguns políticos do Reino Unido ao longo de quatro décadas e, em todo esse período, adquiri duas certezas: os britânicos nunca abandonariam a sua condição de parceiro europeu fortemente relutante (afinal, foram mesmo mais longe do que isso), ao mesmo tempo que sempre trouxeram, para dentro da União, cujo funcionamento sustentadamente punham em causa, um profissionalismo de primeira água, ao nível do seu notável "civil service", com uma diplomacia que sempre pediu meças a qualquer outro país. O Reino Unido sempre negociou bem, na sua peculiar perspetiva nacional, nos diferentes tempos da vida europeia, levando quase sempre, no essencial, a água ao seu moinho. Às vezes, é verdade, adotando posições que roçaram a perfídia e uma frieza cínica - talvez um revisitar do "Yes, Prime Minister" possa ser educativo.
Olhando o resultado bem pífio que o Governo britânico agora apresenta, no termo do penoso processo negocial com os "vinte e sete", não posso deixar de ter um pensamento de simpatia para com os diplomatas que nele estiveram envolvidos. Se uma diplomacia tão capaz como a britânica foi incapaz de produzir um resultado razoável, só podemos concluir que se tratava de uma missão impossível.
* EMBAIXADOR