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Conta a lenda que Sísifo foi condenado pelos deuses a um suplício eterno. Tinha que carregar uma enorme pedra até ao cume de uma montanha, mas sempre que estava prestes a lá chegar, a pedra caía voltando ao ponto de partida. O esforço revelava-se inglório e novo esforço era exigido.
A Grécia e outros países da Área do Euro (AE) tiveram que carregar a sua pedra até ao topo do monte. Para já, revela-se difícil levar a pedra grega até ao cimo. A pedra é grande, o declive acentuado e após o esforço já feito falta a vontade e a energia para continuar. Por isso, a Grécia pede a ajuda dos deuses (isto é, dos seus parceiros) para reduzir o peso da pedra e para atenuar o declive da encosta. Mais, dá ideia de que já não quer empurrar a pedra e que sejam os deuses a fazê-lo por ela. Sísifo apela à clemência dos deuses e pede-lhes apoio. Estes mostram-se exigentes, mas não necessariamente implacáveis.
A AE é um grande porta-aviões com dificuldades em mudar a sua rota, como o Governo Syriza pretende. É reconhecido que a AE tem que acertar um novo rumo, mas mudanças bruscas trazem riscos sérios à sua estabilidade. Fê-lo duas vezes, recentemente, e com sérias consequências. A primeira, quando Barroso incentivou, no final de 2008, o expansionismo orçamental com o seu plano de recuperação económica. Esta mudança serviu de catalisador da crise da dívida soberana. Tivemos depois uma inflexão para a austeridade, o que empurrou a AE para uma recessão prolongada e a colocou perto da deflação.
As conversações com a Grécia prosseguem. A chantagem negocial é óbvia. O Governo Syriza dá a entender que não cede e que a Grécia sairá do euro, se necessário. A AE vai dizendo, a várias vozes, que está preparada para essa eventualidade. Mas estará Portugal? Olhemos para o nervosismo revelado pelos mercados: a taxa de juro das obrigações do Tesouro português a 10 anos estava nos 1,5% em meados de março. Nestes dias, andou perto dos 3%. Se o vendaval da saída da Grécia for forte, será difícil resistir-lhe, apesar da almofada de financiamento que nos conforta por algum tempo.
Estas conversações deviam servir para a AE abandonar de todo a sua tentação punitiva e definir um novo quadro de políticas combinando medidas nacionais e europeias de resolução de crises que permitam que Sísifo, com um esforço suportável, leve a pedra ao topo do monte e que esta fique lá de uma vez por todas. Mas receio que, chegadas a este ponto, ambas as partes só estejam preocupadas em salvar a face, esperando que a outra ceda. Como alguém me dizia há dias, lembra a situação do pai que vai contar uma história ao filho para o adormecer. Resta saber, qual deles adormecerá primeiro?