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Consabidamente, os grupos populistas e demagógicos, com derivas de autoritarismo, utilizam a mentira exaustivamente repetida até com ela construírem a sua “verdade”, com o objectivo de fragilizarem as instituições democráticas. Conscientemente ou não, alguns comentadores, sobretudo televisivos, socorrem-se dos mesmos meios para sistematicamente acusarem o MP da violação do segredo de justiça. Afirmam-no peremptoriamente, sem quaisquer hesitações e sem que se sintam na obrigação de explicitar a razão de ciência de tão grave imputação. É certo que nunca foram questionados, que se saiba, sobre tão categórica conclusão. Mas afirmam-no, não reflectindo, ou talvez sim, sobre as consequências maléficas para a Justiça, para o Estado de direito democrático em que vivemos. Os magistrados do MP são sujeitos a uma rigorosa selecção, formação, inspecção e estão hierarquicamente organizados. Quando em funções efectivas, passam a ter um comportamento esquizofrénico? Na verdade, é àqueles que menos interessa a quebra do segredo de justiça, porque são eles que o decretam, se assim o entenderem benéfico para a investigação. Se, ponderados os interesses em causa, considerarem mais adequada a publicidade do inquérito, assim o decidirão. Os críticos não sabem, ou já se esqueceram que, pela alteração legislativa, de 30.8.2010, relativamente ao segredo de justiça, foi modificado radicalmente o paradigma do secretismo da investigação. Mal, em minha opinião, por muitas razões que me dispenso de aqui e agora expor, mas também pelo facto óbvio de não se saber, com esta alteração, quando determinado processo está ou não em segredo de justiça. Se, como alguns afirmam levianamente, o MP viola o secretismo da investigação porque não consegue obter prova suficiente para uma condenação, bastar-lhe-ia seguir o que diz a lei. A investigação tem carácter público, a não ser que razões ponderosas levem o MP a decretar o segredo de justiça. Por outro lado, esta magistratura pode prestar esclarecimentos públicos, quando necessários ao restabelecimento da verdade e não prejudicar a investigação, ou a pedido de pessoa publicamente posta em causa, ou para garantir a segurança de pessoas e bens ou a tranquilidade pública. Acresce que os processos, mesmo durante a investigação, não estão sempre na posse do MP. São remetidos à polícia designada para proceder às diligências necessárias e ao juiz de instrução para deferimento de medidas que lesem os direitos fundamentais dos cidadãos. Os autos são, assim, partilhados por diversas entidades, para além dos respectivos funcionários e por isso é que, em caso de violação do segredo de justiça, haverá que investigar quem o praticou. Não necessariamente o MP… mas, ao projectar pública e sistematicamente essa visão sem sustentação fáctica, estar-se-á a fragilizar um dos pilares estruturantes da nossa democracia, a justiça.
A autora escreve segundo a antiga ortografia