Mobilidade e pré-campanha autárquica: o caso do Porto
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Colocar a mobilidade na discussão pública e política, coisa que o atual Executivo teima em não querer fazer, é já uma conquista das eleições autárquicas que se avizinham.
Todos os candidatos (e candidatos a candidatos) têm colocado na sua lista de prioridades a mobilidade urbana e a necessidade de encontrar soluções para um dos problemas estruturais da cidade, a par e muito relacionado com a carência de habitação. Se a prioridade coincide, o que divide são as propostas para a sua resolução.
A preocupação dominante da maior parte dos candidatos é, claro está, resolver o problema do trânsito para facilitar a vida aos automobilistas, essa grande massa de cidadãos que alguns dizem não abdicar do carro na sua vida diária. E esta é a má notícia: todos parecem querer condicionar a vida de toda a gente para facilitar a chegada do automóvel a todo o lado.
As posições dos vários candidatos sobre o metrobus da Boavista são exemplos disso. Dizem-nos que só há duas opções: um canal central dedicado, que implica deitar as árvores abaixo; ou a partilha de via com os carros, da Avenida do Marechal Gomes da Costa até ao Castelo do Queijo, mantendo as árvores no corredor central. Ou seja, as duas faixas de rodagem para carros são inevitáveis e a ciclovia não é prioridade.
Idealmente, a Avenida da Boavista teria um elétrico ou um metro ligeiro em toda a sua extensão para fazer a ligação à linha de Matosinhos e da marginal. Esta ideia é simples e antiga mas teve sempre resistência de alguma sociedade portuense. Rui Rio, no seu tempo, decidiu contribuir para o enterro desta ambição arrancando os trilhos do elétrico e dando início a um processo de retalho da avenida.
A situação atual obriga-nos a ser mais exigentes, e se é o metrobus que temos para pôr nas ruas, então que seja feito devidamente: a Avenida da Boavista precisa de uma ciclovia segura em toda a sua extensão, precisa de árvores e de passeios largos, e precisa deste transporte público. Para que tudo isto aconteça, incluindo conciliar estas necessidades com os interesses dos automobilistas, o que está a mais é uma faixa de rodagem e os lugares de estacionamento ao longo da avenida, que para nada servem.
Transporte coletivo eficaz, segurança para peões e ciclistas e transbordo confortável são as ferramentas para reduzir drasticamente o uso do automóvel individual, na Avenida da Boavista e em toda a cidade. A médio prazo assistiremos a uma progressiva redução de trânsito em prol do uso de outros meios de mobilidade. No final todos ficaremos melhor, incluindo os automobilistas que poderão circular com menos carros nas ruas, mas acima de tudo as pessoas, que poderão escolher entre diferentes formas de deslocação rápida e eficaz.
Isto não é pedir muito. Podemos ainda criar uma verdadeira rede ciclável na cidade, acrescentando 100 km de ciclovias seguras; podemos aspirar a ter mais ruas de prioridade pedonal, ruas com passeios cuidados para que se possa caminhar sem obstáculos; podemos planear reduzir a velocidade de circulação em toda a cidade, organizar o transporte escolar e criar um sistema público de partilha de bicicletas…
Acima de tudo é necessário abandonar a ideia arrogante de que o Porto é uma ilha. Nenhum problema se resolverá sem diálogo e sem cooperação com os municípios vizinhos e com o Governo. Garantir soluções de longo prazo para a mobilidade regional e metropolitana implica também abordar com coragem os projetos para a Circunvalação e para a VCI, planeando a sua reconversão em avenidas urbanas integradas nas cidades no horizonte de duas décadas. A cidade que imaginamos não pode ter estradas congestionadas a segregar territórios e a dividir comunidades. A cidade que queremos dá prioridade aos peões e à mobilidade suave, antes e sobretudo depois das eleições autárquicas.

