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Cavaco saíra do poder há cinco anos. Pelo meio houvera o tabu, a luta Nogueira - Barroso pela sucessão, a derrota do PSD nas urnas, a ascensão de Guterres e a mal explicada (e naturalmente perdida) aventura presidencial, contra Jorge Sampaio. Para Cavaco, a travessia do deserto fazia-se sem o seu antigo partido, e às vezes contra ele. Em Fevereiro de 2000, escrevia o artigo "O Monstro", onde prevenia para o principal risco da economia nacional, das finanças públicas e da própria estatura política da nação: a dívida externa.
Esta visão acentua-se meses depois, quando participa no colóquio de Outubro, "Para Onde Vai a Economia Portuguesa".
Volta aí ao tema do monstro. O que era este? O desmesurado sector público, inflacionado à custa de crédito aparentemente fácil. Quanto a isso, diz: "pode o país continuar a endividar-se, sem queda da classificação do crédito obtido, e consequente aumento do prémio de risco?"
A resposta era, obviamente, negativa. Cavaco alertava para a irresponsabilidade do OGE de 2000, "esse monstro que nunca devia ter sido aprovado". Ali estava o acumular de erros: descontrolada despesa corrente primária, falta de crescimento, aumento dos encargos com a dívida, demissão quanto à poupança.
Concluía: "já não é possível dominar o monstro sem dor". E expunha a triste realidade da recuperação real das economias comunitárias, incluindo Espanha e Grécia, face ao empalidecer português.
Não se pode assim criticar a Cavaco o não ter prevenido, uma década antes, para o actual mal nacional. No fundo, a mensagem era esta: depois de dez anos (1985-1995) em que foi preciso criar estado para ajudar a sociedade, erguendo-se os pés do "monstro", tornava-se necessária uma década de frugalidade, em que se apostasse mais na competitividade das empresas e produtos, no aforro público e privado, e no mercado interno.
Advertia ainda para o perigo de remédios meramente administrativos, como a tomada de posição pública na CIMPOR e na Mundial Confiança. Isto seria tratar do tecto, sem cuidar das bases.
Cavaco disse isso tudo. Mas no primeiro mandato poderia ter agido mais, para evitar que o monstro, já crescido, nos começasse a devorar.
O seu discurso de recandidatura foi um começo de explicação. Mas não pode ser a última palavra.
E há um dilema: para agir mais sobre o "monstro", o PR teria de ter outros poderes.
Tê-los-á?
