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Há uns anos, o enorme Rui Nabeiro disse-me assim: "Quando comecei, os que dominavam o negócio do café olhavam-me como o alentejano. Lento, quase analfabeto, pouco preparado para entender os negócios. E eu fui construindo a minha teia e quando deram por ela já eu lhes roubara o poder que acreditavam ser eterno". Parece que o estou a ouvir e no domingo à noite, depois da aparição de Montenegro, tornei à frase. Vejo o primeiro-ministro e vêm-me à cabeça os comentários de tantos barões, socialistas, social-democratas e liberais - não passava de um advogado de Espinho que ficava pessimamente nos salões da alta burguesia. Forjara-se na tribuna política e nas pequenas golpadas palacianas, mas era incapaz de ter uma estratégia e sem ela estava condenado a ser um ator secundário que, na melhor das hipóteses, acabaria nomeado para o globo de ouro de consolação. Nestes últimos anos, esteve sempre a prazo com tropas, de um lado e do outro, a esperarem que chegasse o inevitável e aguardado tombo. Só que o tempo passa e o homem continua a ganhar. Com ameaças de processos, com a guilhotina mediática a salivar de fome e sede como Tântalo, só que ele, como o velho Nabeiro, vai enredando adversários e inimigos num beco sem saída. Ganhou as autárquicas, como antes as legislativas e a liderança do partido onde se jurava que não duraria o tempo de um fósforo. Já lá vão umas caixas e Montenegro mantém o seu meio sorriso que eu ainda não compreendi se é de fabrico genético ou de redobrado gozo.