A discusão sobre o regresso à fixação de preços pelo Estado anda por aí à solta - e, verdade seja dita, excluindo previsíveis e dogmáticos defensores da medida, como o PCP e o Bloco de Esquerda, a coisa vai ganhando adeptos. Jorge Morgado, respeitável secretário-geral da Associação para a Defesa dos Consumidores (DECO), faz parte do crescente rol dos que entendem que, como a vida está cada vez mais cara, a fixação administrativa de preços aliviaria os lusitanos.
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Não custa a entender que, quando lê que o preço da gasolina subiu 38 vezes desde o início do ano, ou quando fixa os olhos na soma das compras feitas no hipermercado, o consumidor leve as mãos à cabeça e erga as mãos em direção ao céu pedindo ajuda à providência. O peso é brutal - e crescente. A expectativa é diminuta - e decrescente.
Isso é uma coisa. Outra é ouvir responsáveis como Jorge Morgado a defender o indefensável. Sim, porque Jorge Morgado sabe de ciência certa que, caso voltássemos a um regime de preços fixados pelo Estado, alguns consumidores poderiam ficar a ganhar, mas todos os contribuintes perderiam com tal opção.
Nºão é preciso ser um encartado liberal (palavra execrada por estes dias) ou um retinto purista para perceber que, mantidos artificialmente baixos, os preços distorcem o mercado.
O secretário-geral da DECO usa o exemplo dos combustíveis, em que, nota ele, não há verdadeira concorrência, para pedir a santa intervenção do Estado. Jorge Morgado não podia ter escolhido pior exemplo. Se puxar um bocadinho pela memória, Jorge Morgado há de lembrar-se das consequências da fixação do preços das gasolinas decidida por António Guterres e Pina Moura. Num instante, o Estado (quer dizer: os contribuintes) foi obrigado a colocar milhões e milhões de euros nas mãos das petrolíferas, de modo a compensá-las pelas perdas. Mais: quando, num exercício de mera racionalidade, a composição do preço foi deixada ao mercado, o que aconteceu? A gasolina e o gasóleo ficaram imediatamente mais caros, porque os preços anteriores eram artificiais.
Parece, portanto, claro que, seja nos combustíveis, na energia, no preço dos cereais ou noutros sectores de actividades mais expostos à oscilação do mercado, é errado fixar administrativamente os preços. Ao defender o contrário, Jorge Morgado nem sequer está, na verdade, a defender os consumidores, porque, sendo eles simultaneamente contribuintes, perderão a jusante o que julgaram ganhar a montante.
Sim, resta a questão da regulação dos mercados, essa sim uma tarefa do Estado. As gigantes Samsung e LG acabam de ser multadas em 30 milhões por terem combinado preços. É por isto que devemos pugnar - e não por um modelo bafiento que já provou a sua ineficácia e iniquidade.