Uma das grandes preocupações da população, na área da Justiça, é a possibilidade da ocorrência da prescrição de crimes, nomeadamente nos de natureza económico-financeira, praticados pelos chamados "poderosos" e políticos.
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Este perigo é uma "mancha negra" no pano de fundo do normal processamento dos inquéritos, exposto sobretudo nos de grande complexidade e de morosa investigação. Como já antes escrevi, a figura jurídica da prescrição não tem apoio constitucional. Porém, à excepção dos crimes de genocídio, contra a humanidade, de guerra e de agressão, que são imprescritíveis, todos os outros crimes previstos no CP e em legislação avulsa subordinam o respectivo procedimento criminal e as penas impostas a prazos de prescrição, diferenciados conforme a gravidade de cada um.
A razão de ser da prescrição reside no facto de ter decorrido um período de tempo muito longo, desde a prática do crime, que já não se justifica a aplicação de uma pena, tendo em vista os fins da prevenção geral e especial. Acresce, na visão do prof. Pinto de Albuquerque que "o decurso do tempo aumenta significativamente a possibilidade de erro judiciário, derivada da dificuldade acrescida da investigação e da prova". Os prazos de prescrição são relativamente curtos, o mínimo são dois anos e o máximo são 15, a contar da prática do crime. Sendo este o previsto para, nomeadamente, os crimes de natureza económico-financeira.
Como é público e notório, a investigação deste tipo de crimes é morosa, complexa, demanda perícias, cooperação de autoridades policiais e judiciárias estrangeiras, inquirições e interrogatórios variados e sucessivos. É nestes processos que a prescrição pode surgir. Para evitá-la, não basta concluir o inquérito em tempo razoável, mas o mesmo tem de acontecer com a instrução, se a houver, e o julgamento. A morosidade excessiva tem de ser evitada, assim se prevenindo a prescrição.
A realidade criminal de hoje é muito diferente da de outrora. Agora é mais sofisticada, com um "modus operandi" complexo, cuidadoso e organizado, sendo os seus autores orientados e apoiados por gente especializada em finanças, economia, banca e direito, os quais projectam e constroem um "aparente e difícil" legal e lucrativo, mas com alicerces e interiores fraudulentos e corruptivos. Para combater a morosidade dos processos não há soluções milagrosas.
Em minha opinião, haverá que actualizar os meios e as ferramentas da Justiça. Dotá-la de funcionários e magistrados indispensáveis, especializá-los nestas matérias, recuperar um "Ticão" com um número de juízes considerados necessários e criar um tribunal de julgamento especializado nestas áreas.
Os conselhos superiores da Magistratura e do MP deverão emitir directrizes genéricas para serem seguidas neste tipo de processos, devendo nelas contemplar-se a prioridade de procedimentos, como os de arguidos presos, delimitando-se o mais possível o objecto da investigação e o da instrução.
*Ex-diretora do DCIAP
(O autor escreve segundo a antiga ortografia)