A morte de José Hermano Saraiva gerou vagas de condolências com muitas referências elogiosas mas também críticas cerradas pela sua ligação política à ditadura. Não defendo que, uma vez morta, toda a gente seja promovida a boa pessoa. Como não defendo que relacionamentos políticos com este ou aquele regime devam ser enterrados com a morte. E tratando-se da morte de um historiador, aceito como legitimas todas as criticas. Apenas com um limite: com a morte não se deveria desenterrar o que deixou de ser importante em vida. E isso aconteceu nas últimas horas, após o desaparecimento desta figura da televisão, muito por efeito das dificuldades em controlar os conteúdos que vagueiam pela net, alguns de pai e mãe desconhecidos.
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Como tantos outros, José Hermano Saraiva fez a transição do antes para o depois do 25 de Abril sem amargura nem subserviência e a imagem que mais o identificava era seguramente a alegria de viver para tentar contar o melhor que sabia e podia as pequenas histórias que terão determinado o nosso destino comum como Nação.
O Portugal profundo, das vilas e aldeias do interior, deve-lhe em primeiríssima linha aqueles segundos de eternidade de ser visto e citado na televisão. O que não era pouco ao tempo em que o panorama mediático não apresentava concorrência. E o que, apesar da concorrência instalada, se manteve como um valor de serviço público para esse Portugal profundo que as televisões passam quase sempre apenas pelos maus motivos ou simplesmente motivos folclóricos.
Um divulgador da história acessível e divertido foi como me habituei a ver José Hermano Saraiva. Talvez por ser um bem disposto, por contar a história como se a estivesse a arrancar do seu próprio peito, alguns puristas aspergiram-no com criticas sobre a comprovação histórica de algumas das suas narrações.
Para a maioria dos telespetadores, bastou-nos quase sempre o condicional que o professor utilizava nas suas vibrantes hipóteses históricas, todos nós certamente alegrados por ele nos mostrar pedras e lugares de um mapa ignorado e até ocultado.
De resto um mapa que, mais coisa menos coisa, é o mesmo que todos os dias desta crise o JN percorre graças ao trabalho dos seus correspondentes, cobrindo as histórias de desamparo do Portugal profundo.
Por tudo isto, é injustificável o silêncio cínico: seja qual for o ponto de partida na concordância ou na discordância sobre o ministro da ditadura, ou o historiador ou o homem de televisão.
Claro que José Hermano Saraiva foi responsável pela repressão dos estudantes na crise académica de 69 , mas soube encontrar se com a democracia e ser-lhe útil como divulgador da nossa história.
É certo que nos proporcionou boas noites de conhecimento.