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Uma das funções primordiais do MP é a de promover a uniformização da jurisprudência, a unificação da interpretação dos textos jurídicos e a aplicação de uma justiça concreta ao ser humano concreto. Estes desideratos só são alcançáveis com um sistema hierarquizado desta magistratura. Foi esta a opção acolhida pela CRP que define o MP como magistratura responsável e hierarquicamente subordinada. No entanto, esta reconhecida e indiscutível hierarquização destes magistrados há-de conformar-se com a intrínseca autonomia interna e externa de que goza, igualmente, o MP. É o que determina, ainda, a CRP: “o Ministério Público goza de estatuto próprio e de autonomia, nos termos da lei”.
Em obediência a estes comandos, o Estatuto do MP reafirma a autonomia desta magistratura em relação aos demais órgãos do poder central, regional e local, e caracteriza-a pela sua vinculação a critérios de legalidade e objectividade e pela exclusiva sujeição do MP às directivas, ordens e instruções, previstas naquele diploma. No âmbito do Processo Penal que, como o definiram Figueiredo Dias e Klaus Roxin, entre outros, é Direito Constitucional aplicado, a intervenção do MP é rigorosa e pormenorizadamente balizada pelos direitos/deveres de direcção da investigação. Investigação que prossegue a verdade material, conforme os princípios da objectividade, legalidade, proporcionalidade, necessidade e adequação.
Assim que, em ordem ao cumprimento destes ditames, o MP titular de um inquérito não pode ser condicionado na direcção e execução da investigação, não pode receber ordens, directivas ou instruções concretas num qualquer processo concreto, por parte da hierarquia. Esta intromissão do superior seria uma afronta ao dever do MP investigar toda a verdade que subjaz ao facto criminoso. A hierarquia pode determinar, de forma genérica, a assunção de determinados procedimentos e deveres processuais, como se fora um manual de actuação para todos os magistrados seus subordinados, mas não tem competência para impedir ou proibir a realização de uma qualquer diligência processual determinada pelo titular do inquérito, a não ser que esta se mostre absurda ou completamente desligada dos factos em investigação.
Nos casos de maior impacto social, devem o titular do inquérito e o superior hierárquico, acompanhados ou não de outros colaboradores, desenhar e discutir o objectivo da investigação e as diligências a realizar. Se, porém, o titular do inquérito determinar, no processo, uma qualquer diligência que não tenha a concordância do dirigente, essa questão terá de ser tratada no processo e não fora dele. A isso obriga o princípio da transparência e da responsabilidade do MP no exercício das suas funções. MP, autonomia e hierarquia são realidades inseparáveis mas, na área da justiça penal, a hierarquia compromete-se perante os princípios fundamentais subjacentes ao Processo Penal e às normas por este consagradas.
(A autora escreve segundo a antiga ortografia)