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No contexto de uma ação de campanha eleitoral na Baviera e em jeito de balanço dos sucessivos "desencontros" com Donald Trump - em Taormina e em Bruxelas - Angela Merkel declarava neste fim de semana que "precisamos de saber que temos de ser nós a lutar pelo nosso próprio futuro, pelo nosso destino, como europeus". Ao longo dos últimos anos, o nosso destino "como europeus" - alemães, gregos, franceses, portugueses ou espanhóis - tem sido muito descuidado. Por isso, a proclamação pela chanceler alemã de que o futuro está nas nossas mãos foi interpretado como um apelo à solidariedade e como reconhecimento da necessidade de incutir um novo fôlego às reformas da União em nome das causas e dos ideais que inspiraram os seus fundadores e que tanto prestigiaram o estatuto conquistado pela Europa na arena internacional, após a Segunda Grande Guerra. Foi um sinal de viragem que se vem somar a outros indícios que apontam para o crescimento de uma nova consciência da situação caótica em que se encontra o Mundo e da urgência dramática de encontrar respostas para o desespero e o ceticismo que mina a confiança dos cidadãos, corrompe a democracia, desagrega as sociedades e ameaça os mais elementares valores civilizacionais.
Foi apenas há dois anos! Todos se recordam do exercício penoso de demonstração dos chamados cenários macroeconómicos de Mário Centeno que não pretendiam mais do que provar que existia de facto uma alternativa à receita de austeridade extrema imposta pelo Governo de Passos Coelho, Vítor Gaspar e Maria Luís Albuquerque, uma doutrina abençoada pela troika dos credores e aplicada impiedosamente pela Comissão Europeia, então sob a chefia de Durão Barroso. Por essa altura, dominava a tese da "destruição criadora" que, diziam, faria emergir da ruína e da pobreza uma nova economia, pujante e moderna. O mesmo tratamento que infligiram à Irlanda e, com requintada brutalidade, à Grécia. A expiação de um pecado coletivo - vivíamos acima das nossas possibilidades! - oferecia a justificação moral para suportar todos os sacrifícios, sufocar a indignação e descartar as trágicas consequências sociais e económicas da aplicação do programa prescrito. Quem se esqueceu da incredulidade cínica e do escárnio com que foi apreciado pela Oposição, na Assembleia da República, o programa do atual Governo?
O que a ortodoxia neoliberal fez à Grécia marca um dos episódios mais escandalosos da história europeia recente. Um escândalo que prossegue! Não hesitaram na tentativa de desqualificar a herança cultural helénica para arrasar o brio e a dignidade do seu povo, imputando-lhe a responsabilidade pelo fracasso das políticas que eles próprios lhe ditavam. Por isso, a visita oficial do primeiro-ministro português a Atenas, logo no princípio do mandato, revestiu uma especial importância simbólica, transformando o encontro entre os dois governantes num palco para a denúncia das políticas de miséria e desemprego, de estagnação económica, de crescimento da intolerância e das desigualdades sociais e de desumana indiferença perante a tragédia dos refugiados.
Conhecemos muito bem os resultados a que esta estratégia suicida conduziu. As tentativas de aniquilar os movimentos sociais para neutralizar a legítima pressão democrática sobre os governantes bloqueou a capacidade dos sistemas políticos de gerarem alternativas e está a provocar uma extensa recomposição dos sistemas partidários. Os surtos de populismo da Direita radical na Europa, arduamente travados nas eleições legislativas da Holanda e nas presidenciais francesas, estão aí para o comprovar. Vão neste sentido de mudança as propostas de Emmanuel Macron - o presidente eleito na França - os desabafos de Angela Merkel ou a vitória de Pedro Sánchez no Partido Socialista espanhol. E, sobretudo, inscreve-se no princípio desta trajetória o contributo pioneiro e o desempenho exemplar do Governo socialista de Portugal. Tal como no soneto de Camões, "Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades / Muda-se o ser, muda-se a confiança".
* Deputado e professor de Direito Constitucional