Corpo do artigo
O presidente da República (PR) condecorou, na semana passada, um conjunto de personalidades pelo contributo dado à internacionalização da economia portuguesa. A proximidade de quase todos os galardoados ao PSD motivou críticas, como se o mérito, que quase ninguém contestou, pudesse ser condicionado pela filiação partidária. E dizer que já levamos 40 anos de democracia! A sua ligação a grandes empresas, públicas ou privadas, também não ajudou. Temos, quanto a esta questão, um problema de esquizofrenia. Clamamos que nos faltam grandes empresas, capazes de singrar internacionalmente. Quando algumas atingem esse estatuto (relativo pois, internacionalmente, continuam a ser pequenas), logo vem ao de cima o discurso do "grande capital e da exploração" que pode atingir o paroxismo de ignorar a realidade (os salários e as condições de trabalho são aí melhores) ou de desvalorizar evidências (o impacto da descida do IRC no investimento é mais significativo nas grandes empresas). Na economia moderna, mais do que nunca, a questão crítica não é a empresa ser grande ou pequena, mas a sua capacidade de ombrear com os concorrentes. Um assunto demasiado sério para ser tratado na base de preconceitos, a favor ou contra as PME ou as grandes empresas.
A mim, o que mais me impressionou na decisão de Cavaco Silva foi a circunstância de todos os agraciados serem de Lisboa. Poucos dias antes, o "Jornal de Negócios" noticiava o peso esmagador da capital na capacidade exportadora do país, surgindo outros concelhos da Grande Lisboa (Palmela, Sintra, Oeiras, Setúbal) em lugar destacado, num top 7 em que Famalicão e Gaia são os intrusos nortenhos. Por outro lado, sempre que algumas publicações fazem um exercício sobre quais os jovens quadros de empresa a quem se adivinha grande potencial, a esmagadora maioria trabalha em empresas da Grande Lisboa. E, para completar a fotografia, este ano até o Benfica é campeão e o Porto o "bombo da festa".
Dir-se-á que a festa benfiquista ocorre uma vez cada quatro anos. Ou que as agências de comunicação veiculam os interesses dos seus clientes e estes estão concentrados em Lisboa. Pode-se acrescentar que o peso de Lisboa nas exportações está inflacionado por as sedes das grandes empresas tenderem a ser na capital. E até se poderia invocar que, quando a análise se faz sobre o saldo das exportações menos importações, Lisboa é a primeira só que com um saldo negativo monumental. Em todo o caso, há motivos para pensar.
Não haverá empresa portuguesa com uma presença internacional tão forte em países avançados (EUA e Espanha, entre outros), ou no Brasil, como a EDP e os resultados que aí obtém dão um importante contributo para as nossas contas externas. Mexia foi decisivo nesse salto. Botton e Relvas, para além de terem feito da Logoplaste uma referência internacional, mais uma vez em países desenvolvidos, são colaboradores próximos do PR e o reconhecimento é uma coisa bonita. Faria de Oliveira tem "andado por aí", em funções governativas ou de gestão desde sempre. Lígia Ferreira fez um trabalho de mérito reconhecido no Porto de Sines e a forma como foi substituída fica a dever muito à boa educação. Embora o PR seja alheio à polémica, esta condecoração funciona quase como uma reparação.
Tudo isto é verdade! Mas, sendo o PR conhecido pela prudência, quiçá levada longe de mais, por que não lhe terão ocorrido, ou sugerido, outros nomes? Só no Norte, e para citar apenas alguns casos, o trabalho de Salvador Guedes, na Sogrape, ou de António Amorim, na Corticeira Amorim, talvez as duas empresas com presença em mais mercados, não justificaria reconhecimento? E a gestão de Ricardo Fonseca e, depois, de Matos Fernandes no Porto de Leixões (com a vantagem, óbvia, de o seu trabalho beneficiar o tecido produtivo nacional)? Podia continuar mas não é esse o ponto. Interrogo-me: sendo certo que na economia nada pode ser, nunca, dado por adquirido, os factos enunciados traduzem uma mudança em curso (o acentuar de) a assimetria de poder de sempre, um défice de capacidade de comunicação e influência ou um pouco de tudo isso? E isso é relevante?
O autor escreve segundo a antiga ortografia