A mensagem que o presidente da República nos deixou, no seu último discurso do 10 de junho, é clara: fazer um Portugal com futuro. Para isso, impõe-se que todos percebam que a pandemia ainda não terminou.
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Por esta altura, em França, chega às livrarias o novo livro do filósofo Edgar Morin, intitulado "Mudemos de via. As lições do coronavírus". Nessa obra, o desafio é claro: não é preciso fazer uma revolução, apenas se impõe que mudemos praticamente tudo. A começar pelos nossos estilos de vida.
Cruzo estes reptos numa semana com dois feriados e, por isso, atravessada por uma enorme atração por umas miniférias. Em alguns lugares, assinala-se ainda o Santo António que arrasta consigo enraizados costumes dos populares arraiais. Para evitar excessos e travar um súbito aumento de casos de covid-19 na zona da Grande Lisboa, a ministra da Saúde nomeou um gabinete regional de intervenção para a área da capital. Trata-se de uma medida pontual, com efeitos de curto prazo. Precisamos de ambicionar mais e olhar este período como um tempo de viragem. De tudo. Detenhamo-nos, pois, na obra de Morin.
O livro propõe um ambicioso programa para evitar uma regressão. Não se sabendo se a crise económica provocará uma barbárie planetária e, consequentemente, favorecerá a constituição de estados neototalitários, o filosofo francês tenta corrigir erros do passado. "É vital mudar de via", escreve. E vai dando várias pistas para isso: desburocratizar o Estado, promover uma reforma económica, fomentar a participação dos cidadãos nos processos de decisão coletiva, criar uma ecopolítica. E, com isso, mudar profundamente a sociedade, soltando a mundialização de qualquer natureza tecno-económica, de modo a garantir uma autonomia crucial para todos os países. É, na verdade, uma proposta radical. Edgar Morin reconhece que é preciso alterar visceralmente o pensamento reformador, enraizando qualquer ação política numa cultura humanista capaz de fomentar solidariedades concretas. Pessoa a pessoa, grupo a grupo.
Escrevo esta crónica enquanto sigo os noticiários da TV da hora do almoço que falam de um turismo rural que, em certas zonas do país, está já lotado até setembro e de um Algarve com hotéis que, esta semana, registam uma taxa de ocupação de 75%. Espera-se que este tempo de confinamento nos tenha ensinado a olhar para o lazer de outra forma. As mudanças políticas que tanto ambicionamos nunca surgirão, se formos incapazes de mudar também de via...
Professora Associada com Agregação da Universidade do Minho