<p>1. Um país, como o nosso, em que há mais de meio milhão de dívidas em atraso relativas a bens essenciais como a água e a electricidade, é um país verdadeiramente doente. Se começou a leitura desta edição do JN pela página dois, sabe do que falo: no ano passado o Balcão Nacional de Injunções (um sítio onde o credor procura obter o pagamento do que lhe devem sem ter que recorrer aos morosos tribunais) finalizou 534 068 processos. O número tem vindo sempre a subir ao longo da última década.</p>
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O que significa isto? Significa que as empresas e os particulares que constam deste bolo tiveram que escolher: ou pagavam a água, a luz e as telecomunicações ou satisfaziam necessidades mais prementes. Seja como for, uns e outros gastaram além do que tinham. Este é o resultado (expectável, de resto), quando um país se endivida, como lembra o professor Daniel Bessa, à razão de dois milhões de euros por hora. A médio/longo prazo a factura chega. E a factura, consequência inevitável da ilusão que o acesso fácil ao dinheiro criou em (quase) todos nós, tem agora um nome: chama-se Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC, porventura a mais odiada sigla do Portugal contemporâneo).
Numa palavra: os credores (sobretudo os internacionais, mas também aqueles que recorrem ao Balcão Nacional de Injunções e aos tribunais) disseram basta! E "basta" traduz-se em duas coisas elementares. A economia não conseguirá, nos próximos anos, concentrar-se no essencial: crescimento e criação de emprego, logo a nossa vida não melhorará. O equilíbrio das contas públicas antecede tudo o resto. Dói, mas não há outra saída. E, seguramente não menos importante do que a consequência anterior, estamos todos obrigados a repensar o nosso modo de vida. Aquele que nos trouxe até aqui.
2. O escândalo da pedofilia na Igreja Católica pertence ao grupo de novelos cuja ponta, depois de encontrada, é possível puxar, puxar e continuar a puxar... Pelo que os factos vão mostrando, é bem possível que estejamos perante uma bomba-relógio cujo eventual estouro abale fortemente a Igreja. O Papa já o percebeu. Pena que tenha reagido da pior forma. Primeiro, escreveu uma carta aos católicos irlandeses, dizendo-se "envergonhado". Mais um bocadinho e o perdão teria seguido via sms. Um dia depois, durante a habitual celebração de domingo na praça de S. Pedro, Bento XVI pediu aos fiéis intransigência para com o pecado e indulgência para com os pecadores. "Aquele que está livre do pecado que lance a primeira pedra", sublinhou o Papa. Estou com Manuel António Pina: nesta altura, o que dirá Deus da sua Igreja?