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Quando, há uma dezena de anos, se realizou o referendo sobre a regionalização, muitos temeram que o resultado negativo que se verificou fosse o fim de qualquer reforma do Estado ou, pelo menos, o seu adiamento sine die. Como se vê, não se enganaram os que assim pensavam. Entretanto, o Mundo não esperou e mudou. E mudou muito.
No entanto, houve muitas coisas que não mudaram. E tanto do lado dos problemas como das soluções! Ou seja: olhamos para os problemas e temos a sensação de que já os tínhamos há 20 ou mais anos e olhamos para as soluções e temos a sensação de que se não são as mesmas, não andam longe.
Por isso, não é muito relevante que os problemas sejam antigos ou modernos. Relevante é que os temos e, relevantíssimo, é que temos de os resolver. Claro que convém sempre saber que resultado deu o que foi feito antes. É que pior do que fazer mal é não aprender com os erros.
Temos, portanto e de novo, a "regionalização". E, para o efeito, pensaram uns fundar um "partido" (regional, claro!), pensaram outros que seria melhor criar um "movimento" e, outros ainda, como é o caso do PSD, imaginaram... "experimentar"! Curiosamente, andam todos pela soleira da porta, já que o fazem a medo e a título de ensaio. Só no Norte ou só no Sul, só no Porto ou só no Algarve, mas sempre em apenas uma pequena parte do território.
De facto, há dez anos, o povo não gostou e não votou ou votou contra e a dita regionalização foi parar ao baú das inutilidades com grande regozijo dos que eram contra e dos que não sendo contra, temiam que lhe mexessem nas suas "centralidades" ou nos seus "privilégios" e o melhor era que nada mudasse!
Em qualquer caso, e tanto quanto se sabe, as propostas de agora ou são as mesmas ou são ainda mais medrosas porque assentam numa dúvida inicial e não numa certeza fundadora como seria exigível que fosse.
Claro que "regionalizar" não é mais do que uma das formas de organizar a governação. Mas há formas muito diversas de o fazer. Há, por exemplo, as autonomias espanholas, os estados federados (da Alemanha, do Brasil ou dos Estados Unidos), as regiões italianas ou chilenas ou, ainda, as repúblicas da antiga URSS. E, isto, para já não falar de Portugal, que também já tem a suas regiões: são duas, são autónomas e são insulares e estão muito longe de darem maus resultados (pese embora o bizarro morgadio madeirense). Porquê, então, experimentar o que já está experimentado?
É que, tanto na prática como na filosofia da coisa, e qualquer que seja o modelo adoptado (autonomias, regiões, repúblicas ou estados), reformar a Administração é vital, porque é fazer com que o país tenha uma vida colectiva mais autêntica, uma Administração mais próxima dos cidadãos e dos problemas, melhores dirigentes, agentes e funcionários e não tenha apenas uma grande cabeça (frequentemente pouco pensante) e um corpo raquítico (nem sempre muito activo) e, ambos - cabeça e corpo - pouco dados a entenderem-se!
Mas, se é de "experimentação" que agora se trata, admitamo-lo, e de renovar mais do que enredar, por que não experimentar mesmo e reflectir, por exemplo, sobre o modelo açoriano, que dispersou por lugares diferentes do seu território os poderes essenciais do Estado, localizando o Governo em Ponta Delgada (S. Miguel), a Assembleia Legislativa na Horta (Faial) e o representante da República em Angra do Heroísmo (Terceira). Como se sabe, estas cidades e estas ilhas têm um imenso mar entre si e não caras e luxuosas auto-estradas como tem o "continente". Então, por que não "experimentar" pensando - ainda que como simples exercício - o que seria o país se a Assembleia da República estivesse no Porto, o Governo em Coimbra e os Tribunais e a Presidência da República em Lisboa? Ou vice-versa?
Ou por outra: como seria um país sem tabus nem preconceitos e disposto a mudar mesmo e a sério?