<p>Era no mínimo acusado de invejoso quem, não há muito tempo, exibisse a mais leve indignação perante os salários dos gestores das grandes empresas, a começar pelos bancos. Uma de três respostas ouviria pela certa: que se trata de premiar o mérito, que é justo compensar quem acrescenta valor, que uma empresa privada tem o direito de pagar o que bem entender. Os argumentos, que serão todos válidos, caíram no esquecimento, agora que o travão a ordenados, prémios, indemnizações, planos de reforma e mais não sei quantas alcavalas figura entre as receitas para pôr ordem num sistema financeiro que vive dias de agitação.</p>
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Os números não mentem, ainda que constituam apenas uma parte da realidade: entre 2003 e 2007, os executivos dos cinco maiores bancos de investimento norte-americanos receberam 3100 milhões de dólares. Um deles, o Lehman Brothers, faliu. Outro, o Merrill Lynch, foi adquirido pelo Bank of America para não levar o mesmo caminho. Ambos apresentavam sólidos resultados até se perceber que eram "fabricados", precisamente para proporcionar aos administradores prémios chorudos e acções.
Com a irresponsabilidade à solta, valia o sagrado princípio liberal do "laisser faire, laisser passer". Pelo menos nestes casos, os mecanismos internos de auditoria foram incompetentes; os accionistas impotentes, uma vez que só terão tido acesso à informação que as administrações disponibilizaram; as entidades de supervisão distraídas (na versão benigna). Uns "deixaram fazer", outros "deixaram passar". Na prática, todos foram cúmplices, por acção ou omissão, da ganância criminosa dos executivos.
Quando a crise tomou proporções alarmantes, não se pensou na responsabilização dos gestores. Foi, antes de mais, accionado o mecanismo do costume: o Estado entrou em campo, que é como quem diz a política saiu em socorro da economia.
George Bush, que até já nacionalizações promoveu, pede de joelhos a aprovação de um plano de emergência que prevê a injecção de 700 mil milhões de dólares para estabilizar o sistema financeiro, mas há quem acredite que a dimensão do buraco é muito maior. Na Europa, a intervenção estatal em alguns bancos, baseada numa interpretação muito "flexível" da regra que proíbe ajudas públicas a empresas, pode não ter estancado a sangria.
A União Europeia defende agora, pela voz do presidente da Comissão, a criação de uma entidade única de supervisão bancária. Até hoje, pelos vistos, ninguém sentiu necessidade de tal coisa. Não era peça que faltasse à máquina. Passa a ser apenas porque, segundo Durão Barroso, é indispensável restaurar a confiança no sistema. É preciso mudar alguma coisa para que tudo fique na mesma?