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Sabem aquilo que aconteceu na Grécia há uma semana? Sim, aquela eleição. Sim, aqueles senhores "extremistas". Ganharam. Sim, não se fala de outra coisa. Uma coisa era previsível, e confirmou-se: o impacto das eleições gregas correspondeu às expectativas, não querendo isso contudo dizer que a vaga se mantenha vigorosa durante muito tempo.
Temos, agora, um jogo algo diferente. Só havia uma equipa, agora há duas, ainda à espera do apito inicial (a chanceler já está equipada para arbitrar). Porventura, tratar-se-á de uma questão simbólica. Mas a verdade é que a senhora dona austeridade, com um sotaque um bocadinho carregado, era a governanta da casa europeia. Hoje, há quem diga que já chega, tenha ou não razão. Afastado que parece (nem que seja na aparência) o colapso de vários países europeus, foi este "êxito" apresentado como devendo-se, em exclusivo, àqueles que tinham conseguido fazer os sacrifícios, assim como à generosidade daqueles que tinham emprestado o dinheiro. Os sérios, ajudados pelos bons: uma história bonita, uma história demasiado simples.
O Syriza complicou tudo, e está na moda. Desencadeou um extremar de posições que, provavelmente, se acentuará até que se defina se os gregos vão conseguir algo ou se, pelo contrário, vão espatifar-se ao virar da esquina.
Como não podia deixar de ser, houve muitos que quiseram aproveitar o resultado grego. No entanto, ninguém como os franceses, que devem ter batido um recorde. Os socialistas aplaudiram; congratulou-se a direita do UMP; ficou satisfeita a extrema-direita da Frente Nacional da Marine; eufórica a Frente de Esquerda de Mélenchon; e os Verdes estão em êxtase. A vitória do Syriza foi, em terras gaulesas, maravilhosamente democrática e unificadora, porque todos ganharam e nenhum retirou vantagem ou ficou sujeito a incómodo ou inconveniente.
Por outras paragens, em geral, um pouco mais de moderação, mas também não faltou quem tentasse cavalgar a vitória grega (as oposições). Os que estão no poder ensaiaram, primeiro, o politiquês mais enfadonho (respeitamos os resultados, e blá-blá-blá), a seguir a indiferença (a Grécia não interessa, nós seguimos é o nosso caminho) e finalmente a irritação (os gregos são irresponsáveis, relapsos e incumpridores).
Estamos num momento que pode dar muito ou que pode dar rigorosamente nada. Os que lançaram os foguetes serenaram porque, se o Governo grego falhar, lhes será atirado à cara que também eles perderam. E aqueles que estão reféns do modelo vigente percebem como a praga grega pode ser assustadora, porque, se correr bem ao Governo grego, lhes será perguntado nas urnas, e com especial virulência: por que não teve a coragem de fazer o mesmo? Por que se sujeitou?
Oproblema é que o dilema atinge também os partidos que, por alternância normal, aspiram ao poder. Aqui ao lado, não tenhamos dúvidas, o movimento Podemos irrita tanto o PP de Rajoy (no poder) como o PSOE (na oposição). Ontem, o Podemos organizou uma grande manifestação em Madrid. A partir da Catalunha, Rajoy reagiu de forma despeitada: "São uns tristes, que andam para aí a dizer que as coisas estão mal!", e pelo caminho, disparate por disparate e referindo-se a Espanha, disse mais um ("Somos a nação mais antiga da Europa"). O PSOE, esse, sente-se em maus lençóis, porque tanto é atacado pelo PP como pelo Podemos, que lhe cobiça o eleitorado, e ao contrário de Marco Paulo, sente-se entre dois desamores. Não vai ter vida fácil.
Em terras de PIGS (Portugal, a Irlanda já não conta, Grécia e Espanha), vamos assistir a um acentuar da crispação, principalmente porque estamos cada vez mais perto de processos eleitorais. Aqueles que são a favor do status quo vão ferozmente defender o status quo, por doloroso que seja, e rezar para que a Grécia se espatife. E aqueles que são (ou dizem ser, o que não é o mesmo) contra o status quo vão ferozmente atacá-lo, e rezar para que a Grécia ganhe alguma coisa ou pelo menos não perca. Ganhará aquele que não assassinar de vez a esperança. Aquele que parecer "responsável", mas também muito radical. Aquele que, de forma sábia (se calhar, é impossível), conseguir o equilíbrio entre moderação e rebeldia. Isto não vai ser fácil.