Quando ficou viúva e com dívidas para regularizar, Antónia Adelaide Ferreira foi aconselhada a vender vinhas. Recusou e em vez disso escolheu, simbolicamente, vender os cavalos e carruagens do marido, um boémio que morreu de sífilis em Paris.
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"Vinho é o que sabemos fazer", terá argumentado. E soube como ninguém, criando uma adega de referência projetada e premiada internacionalmente, procurando as soluções mais avançadas para a praga da filoxera, inovando nas soluções e técnicas usadas, batendo o pé ao domínio dos ingleses no setor.
Mas dona Antónia foi muito mais do que uma empreendedora que marca o Douro e o seu tempo. Foi generosa com os pobres e altiva com os poderosos, atenta à miséria e às necessidades dos trabalhadores. Cheia de fibra e simultaneamente de sensibilidade social, de tal forma que na sua biografia se descreve que o cortejo fúnebre, na Régua, juntou ao longo de quatro quilómetros uma multidão que se ajoelhava à sua passagem.
Os relatos que se fazem dela estão carregados de detalhes em que é difícil discernir o que terá sido verdade ou mito, incluindo nos romances que completam mais uma face de uma personalidade muito à frente do seu tempo. Uma mulher tão completa é uma escolha absolutamente feliz para batizar a futura ponte da Linha Rubi do metro, na sequência da consulta pública lançada pelo JN em parceria com as autarquias de Porto e Gaia e o Ministério do Ambiente, que tutela a Metro do Porto.
Num tempo ainda tão carregado de desigualdades, a Ferreirinha, como era carinhosamente tratada, continua a ser um modelo de alguém que não se deixou remeter à condição de viúva, mas transformou esse momento de dureza numa viragem absoluta em que encontrou a sua própria voz. Por muitas críticas que possam ser apontadas ao processo de escolha do nome da ponte, o mais relevante é que resultou de uma vontade coletiva. A participação alimenta-se nas grandes e nas pequenas coisas. E a vida em sociedade é isso: que cada um possa fazer ouvir a sua voz.
*Diretora