Mundial: Portugal campeão
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Começou o Mundial 2014 no Brasil. Em apenas três dias, aí estão a polémica e a emoção, afinal aquilo que faz a essência do futebol. Não satisfeito com a ajudinha dada à seleção anfitriã pelo árbitro japonês no jogo inaugural, nem mesmo com a "manita" com que a Holanda presenteou os campeões em título, venho também lançar a surpresa e afirmar, perentoriamente, que Portugal é o campeão do Mundo preanunciado. É que, se é verdade que os resultados devem ser valorizados em função das condições e recursos de partida, o futebol lusitano bate tranquilamente as nações rivais, ditas favoritas.
Vejamos então como se chega a esta conclusão. É bem sabido que o potencial de sucesso de uma seleção numa modalidade desportiva massificada e profissionalizada, como é o caso do futebol, depende de três fatores-chave: a base de recrutamento, os recursos envolvidos e a organização interna. Olhemos para cada um deles.
A base de recrutamento é naturalmente uma função da massa humana disponível para a prática do futebol. O mesmo é dizer que países com maior efetivo populacional e elevada taxa de penetração da modalidade têm naturalmente vantagem sobre países mais pequenos (em população). Tomando por referência os cinco primeiros do ranking da FIFA (por ordem: Espanha, Alemanha, Brasil, Portugal e Argentina), somos claramente os mais pequenos. Os nossos pouco mais de 10 milhões de selecionáveis estão a milhas dos mais de 40 milhões de espanhóis ou argentinos, dos mais de 80 milhões de alemães e não fazem certamente sombra aos mais de 200 milhões de brasileiros. Mesmo considerando os candidatos (na opinião dos próprios) Itália e Inglaterra, com efetivos na ordem dos 60 milhões, a verdade é que os lusitanos, olhando à quantidade de matéria-prima utilizada, são campeões do Mundo destacados.
Agora os recursos envolvidos. Parece-me lógico o princípio de que as nações mais ricas libertam mais e melhores meios para a promoção e o desenvolvimento das atividades da respetiva juventude, onde se incluem o desporto e o futebol. Justamente para analisar esta temática, o Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT) publicou este mês o estudo "Copa do Mundo da Tributação, Economia e Retorno à População", onde compara o perfil socioeconómico dos 32 países apurados para a fase final deste Mundial. Em termos simples, este documento coloca lado a lado o ranking da FIFA para as 32 seleções, da Espanha (1.º) à Austrália (62.º), com os rankings relativos a algumas variáveis descritivas da riqueza, do bem-estar e da carga tributária. Esquecendo a carga tributária (para não dramatizar esta crónica), o 4.º lugar português na FIFA transforma-se em 14.º (entre os 32) no que se refere ao PIB per capita e em 15.º no que se refere ao IDH (Índice de Desenvolvimento Humano). Tomando os cinco primeiros do planeta futebolístico, só mesmo o Brasil é que faz ligeiramente melhor, pois ao seu 3.º lugar FIFA contrapõe os modestos 20.º (PIB per capta) e 24.º (IDH). Seríamos, neste particular, quase campeões.
Por fim, a organização interna. A Federação Portuguesa de Futebol, que tutela as seleções, não me causa qualquer preocupação. Está bem liderada, funciona, é profissional. Mas é apenas o topo da pirâmide. Na base, ou seja, nas ligas profissionais de futebol, a situação é pior que má. O processo kafkiano da eleição do presidente da Liga mostra, no seu esplendor, a que gente está entregue o futebol. Espreitei os programas dos candidatos e não contive uma gargalhada: mais do mesmo, tão-somente, sem qualquer intenção de mudar de vida ou de protagonistas. Se dependesse deles, estaríamos na cauda do futebol mundial. Mas somos 4.º do ranking, apesar da desgraçada organização de base, o que para mim vale o título mundial, mesmo sem precisar de estudar a qualidade dos adversários.
Paradoxalmente, a despeito do escasso campo de recrutamento, dos fracos recursos e de uma organização interna nada credível, os resultados desportivos são de topo, quer ao nível da seleção quer ao nível dos clubes. Não vejo em Portugal outro setor da atividade capaz de produzir protagonistas de classe mundial com a regularidade com que o faz o futebol. Jogadores e treinadores, bem entendido.
Aconteça o que acontecer no próximo mês, a começar já amanhã frente à toda-poderosa Alemanha, Portugal é já campeão do Mundo. Apesar de tudo.