O que tem um par de sapatilhas ou uns simples chinelos de dedo a ver com sucesso escolar?
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Aparentemente, nada. Depende apenas do ponto do Globo onde nos encontramos. Em Moçambique e em S. Tomé e Príncipe ,andar descalço ou calçado faz a diferença entre frequentar ou não a escola. Um problema absurdo, violador dos Direitos Humanos, mesmo visto daqui, da Europa mais pobre da Europa. Visto deste país onde, entre 2009 e 2014, um terço da população viveu pelo menos um ano em situação de pobreza. Olhamos para a realidade das crianças de Moçambique e de S. Tomé e Príncipe e, apesar da nossa pobreza, achamos a situação inacreditável, a trazer-nos à memória tempos bem recuados em que muitas crianças portuguesas também andavam descalças ou de socos de madeira.
A realidade destes meninos deve, pelo menos, fazer-nos refletir sobre a (também aparente) sociedade da abundância em que vivemos. Sobre os difíceis dilemas: damos ou não um smartphone aos nossos filhos?; somos ou não sensíveis aos seus apelos lancinantes para conseguir um computador melhor, porque ao atual falta velocidade suficiente para correr os jogos? As nossas hesitações parecem quase um ato de violência perante a situação de penúria vivida por muitos.
Enquanto discutimos, com toda a paixão, se o património imobiliário acima de meio ou de um milhão de euros deve ser sujeito a tributação para engrossar os impostos - já com grande peso no nosso orçamento, é certo -, num país irmão, às crianças desprovidas de meios para se calçar só lhes é permitido frequentar a escola até ao Ensino Secundário. Depois, a entrada fica vedada ao pé-descalço. Naturalmente, neste quadro de miséria anacrónica, não terão onde e com que escrever. Nem livros. Nem uma alimentação decente. Hoje, elas pedem-nos uma coisa elementar: sapatos. E aceitam também os livros que as crianças portuguesas já não podem usar. Na dita sociedade da abundância, os manuais escolares são revistos, e consequentemente substituídos, haja ou não necessidade.
No meio da tragédia, há gente solidária que nos ajuda a ajudar. A Helpo, associação não-governamental, está a recolher calçado para que os meninos de S. Tomé e Príncipe e de Moçambique possam ir à escola. Apenas um pedido e não é esquisitice. Estão habituados a caminhar descalços. Por isso, pedem-se sapatilhas e sandálias - para que a falta de liberdade (dos pés) são seja tão brusca.
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