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O fim de semana foi de música, com bênção atrás de bênção, no palco, na coxia, na plateia e nos auscultadores, no culminar de grandes antecipações. Uma maravilha!
Começou com o último espetáculo da “Luta Contínua”. Uma experiência que começou há muitos meses, na preparação de um concerto coletivo para celebrar os 50 anos de Abril no CCB e que se estendeu por mais duas datas. A Manuela (Azevedo) e o Hélder (Gonçalves) juntaram um repertório muito interessante, de vários artistas da nossa música, para retratar estas cinco décadas de liberdade e convidaram algumas vozes para acompanhar a sua banda.
Foi no meio de uma trupe de luxo, que dei por mim deliciada na coxia, ao observar os colegas, e feliz, no palco, por contribuir. Os Clã são de uma inventividade e de um rigor musical que impressiona, fizeram arranjos para canções de tempos e autorias muito diferentes, sempre com a sua marca de bom gosto. Além de nos terem acolhido sempre com grande amizade.
Paulo Flores, o Orixá vivo, emocionou todos com a sua voz mágica e a sua presença solene. Ana Lua Caiano encantou pela sua doçura firme e, entre muitas prestações impecáveis, pela sua genial versão de “Democracia” de Sérgio Godinho. O Euclides fez pairar a plateia com o seu timbre suave e a sua guitarra virtuosa, mas quando cantou “Lembra-me um sonho lindo” de Fausto no Theatro Circo, todos contiveram a respiração. Jonas impactou com a sua graça e talento, mas sobretudo com a sua incrível interpretação de “Mãe Preta”. Xullaji, companheiro de rap, mostrou que a revolução não será um tweet, mas que as palavras certas podem servir de cocktail molotov. E a Garota Não juntou-se ao clã para uma das apresentações, emocionando todos com a sua alma sábia.
Depois das despedidas, parti para Paris para assistir ao concerto de celebração dos 25 anos do meu disco favorito - “The Miseducation of Lauryn Hill”, que teve ainda direito a vários temas dos míticos Fugees. A Ana-adolescente-interior vibrou como se estivéssemos nos anos noventa e aquela arena gigante não conteve tanta alegria pueril.
Para terminar um fim de semana de fortes emoções musicais, fiz o voo de regresso com os auscultadores postos para ouvir “Colinas”, o novo disco de Lázaro (Pedro Geraldes) e João Varinhos. Sete temas sobre Lisboa, feitos a partir de gravações de paisagens sonoras da cidade e cuja composição eu acompanhei de perto (não fosse o Pedro o meu companheiro de vida). Conhecer de perto as entranhas do processo criativo de um disco alheio é muito inspirador e vê-lo consumar-se, finalmente, numa edição é uma festa partilhada. “Colinas” é o disco sobre a Lisboa que deixámos para trás há uns anos, para nos estabelecermos no Porto, e comove-me pensar que este disco é como um álbum de retratos, recortes e lembranças que guardará para sempre essa memória de cidade.