Corpo do artigo
A herança colonial ainda está de pé. Nas estátuas que celebram a violência, nas universidades que separam saberes legítimos dos saberes silenciados. A ideia de descolonizar o património histórico e intelectual não é uma moda: é uma necessidade ética. Discuti-la hoje é recusar o apagamento. É reabrir os arquivos da memória com a chave da justiça.
Património é poder – e o poder, quando não é questionado, torna-se natural. Por isso, discutir a descolonização do património é fazer o contrário da amnésia. É confrontar as camadas de sentido que transformaram saques em conquistas, epistemicídios em descobertas, hierarquias em história oficial. A estátua que se ergue no centro de uma praça não é apenas bronze: é discurso. O currículo escolar que exclui vozes afro-indígenas não é apenas omissão: é projeto.
Esta é a proposta curatorial que a Associação Portugal Brasil 200 anos leva à Feira do Livro de Coimbra de 2025. Depois da Virada Cultural Lusófona em São Paulo e do Fli Internacional da Paraíba, a programação atravessa o Atlântico com uma pergunta urgente: como descolonizar o património físico e intelectual que nos constitui? A resposta não é simples, mas começa pelo encontro. E é precisamente esse o espírito do ciclo que junta o Município de Coimbra e o Governo da Paraíba neste evento de cooperação internacional e reinvenção partilhada.
Descolonizar não é destruir. É reler, reverter, reescrever. Discutir a descolonização do património físico e intelectual é mais do que um ato académico ou cultural. É uma convocação política. Um gesto de reparação simbólica que pode abrir caminho para reparações concretas. Um passo no sentido de uma democracia mais profunda, enraizada não só no voto, mas também no direito à memória, à voz e à dignidade.