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A infertilidade é uma doença. Afeta uma em cada seis pessoas no mundo. Em Portugal, estima-se que perto de 300 mil casais enfrentem dificuldades em ter filhos naturalmente e dependam de ajuda médica para tentarem constituir a sua família. Falamos de pessoas com um problema de saúde para o qual existem tratamentos, possíveis respostas para serem pais, mas a que não têm acesso por atropelos de secretaria que arrastam regulamentações ou pelos quais aguardam anos no Serviço Nacional de Saúde (SNS).
Ainda que seja obrigação do Estado em assegurar este apoio e tratamento, a realidade é que a fertilidade se trata de uma área negligenciada, com profissionais de saúde levados ao limite a integrarem equipas de Procriação Medicamente Assistida (PMA) e Ginecologia e Obstetrícia em simultâneo, embriólogos sem o devido reconhecimento pela carreira, ausência de infraestruturas e equipamentos adequados, falta de dadores de gâmetas nas unidades do SNS e inexistência de centros públicos de fertilidade em toda a zona Sul do país e Açores.
Desde a sua fundação, em 2006, ano da entrada em vigor da Lei da PMA, a Associação Portuguesa de Fertilidade tem acompanhado as consequências que esta realidade tem na vida dos que desejam ser pais e que, sem o recurso ao SNS, perdem a possibilidade de o tentar.
Falar de natalidade é também falar de quem defende o seu projeto de parentalidade, mas o vê limitado por políticas de saúde pouco eficazes e medidas legislativas que se arrastam no tempo, num país estatística e tristemente envelhecido. É sabida a necessidade de aumentar o número de nascimentos, criando melhores condições económicas e sociais, incluindo a atribuição de apoios à maternidade, mas há que questionar onde estão as ajudas aos casais com problemas de fertilidade.
Tem sido essa a questão que a APFertilidade continua a levar junto dos grupos parlamentares e governo, a quem pede respostas atempadas e justas para quem vê a porta do SNS fechar-se com tempos de espera inaceitáveis (entre um a três anos), com o limite da idade da mulher, que após os 40 anos perde o acesso a tratamentos como a fertilização in vitro ou injeção intracitoplasmática, tratamentos estatisticamente mais eficazes nestas faixas etárias que os restantes, ou com a espera há mais de cinco anos para que a única alternativa para serem pais biológicos seja regulamentada, como é o caso da Gestação de Substituição.
Para alguns destes casos passa a existir uma única resposta, longe de ser inclusiva - recorrer a clínicas privadas, mediante o pagamento de milhares de euros por um tratamento. O direito a ter filhos oscila, assim, entre um SNS refém de orçamentos deficitários e exaustão dos profissionais de saúde, e a capacidade económica ou endividamento para pagar tratamentos no privado, mas com a promessa de que em pouco tempo são realizados.
Estive entre estes casais, partilhei da mesma dor e frustração e agora, 15 anos depois de ter sido mãe com a ajuda da PMA, não consigo ser indiferente ao facto de muito pouco ter mudado no SNS, mesmo depois das muitas promessas que, enquanto membro da APFertilidade, fui ouvindo da boca de muitos responsáveis a quem cabia o
poder e a obrigação de fazer diferente e melhor em prol daqueles que estão na disposição de contribuírem para um país mais jovem e mais inclusivo.
Senhores governantes, políticos, decisores deste país, o futuro também passa por estas pessoas que aguardam desesperadamente por uma oportunidade. Não são precisos incentivos de natalidade para as convencerem a serem pais, mas de um SNS eficiente e compreensivo e um Ministério da Saúde sensibilizado e atento.
Deixem essa passividade e ajam!
*Presidente da Associação Portuguesa de Fertilidade. Artigo inserido no mês da consciencialização da fertilidade.