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"Grave", "um embuste", "verdadeiramente chocante". Ouvir o presidente da Anacom, João Cadete de Matos, a referir-se à impunidade com que as operadoras de telecomunicações continuam a massacrar os clientes com contratos de refidelização devia ser suficiente para tirar o sono aos gestores dessas empresas (inocência minha, eu sei). E devia despertar as consciências dos deputados e do Governo (esperança vã, concedo). Porque a estratégia, por demais conhecida, não só não dá sinais de abrandamento, como demonstra, inclusivamente, estar a refinar-se. Não apenas Portugal foi incapaz de travar os aumentos nos tarifários, como se percebeu que há operadoras que continuam a usar a fragilidade económica das famílias para lhes propor extensões de fidelização, acenando-lhes com uma baixa de preços em vez de uma subida.
Olhando para os argumentos usados por PS e PSD para inviabilizar uma alteração legislativa que reduzisse os períodos de fidelização de 24 para seis meses, como quer a Anacom, tudo se torna mais preocupante e, simultaneamente, esclarecedor: os socialistas dizem que não vale a pena mudar a lei porque não se sabe que impacto vai ter; os sociais-democratas acreditam na boa-fé das operadoras para encontrar uma solução vantajosa para os clientes. Está visto que o presidente da Anacom continuará a falar sozinho, porque o Governo também assobiou para o ar. Acresce que o atual quadro legal é tão complexo e minado, que se torna praticamente impossível mexer na Lei das Comunicações Eletrónicas.
Os períodos de fidelização foram-nos vendidos como a panaceia para estancar os aumentos dos preços. Mas a concorrência transformou-se num pesadelo para os consumidores, para quem a fatura das telecomunicações já pesa muitíssimo no orçamento familiar.
Portugal paga hoje mais 20% do que a média dos parceiros europeus e a média dos tarifários subiu 10% desde 2009, enquanto na União Europeia desceu 7,7%. Os fidelizados pagam, em silêncio, e as operadoras dizem quanto, muitas vezes sem dar cavaco às vítimas. Isto não é liberdade de mercado nem concorrência sadia. Isto é a selva. Os mais fortes caçam, os mais fracos são caçados.
Que é como quem diz, refidelizados.
Diretor-adjunto