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Assisti à defesa da tese de mestrado do meu filho Miguel. Sentei-me numa sala do ISEG com as palmas das mãos corrompidas pelo suor. À minha frente estava ele, de camisa branca por fora das calças, mais alto do que eu, com as pestanas parecidas às do avô e sem bloco de notas ou caneta. Licenciou-se em Gestão e é mestre em Economia com 18 valores na tese. No final dei-lhe um abraço e escondi as lágrimas até chegar à casa de banho e desmoronar.
Em que momento os nossos filhos deixam de nos pertencer? Em que instante deixamos de saber o que têm dentro, o que pensam e do que são capazes? Chorei pelo seu sucesso académico, mas também pela minha ausência – mesmo estando presente. Não sabia que ele falava inglês na perfeição. Não sabia do seu brilhantismo retórico, do seu foco, da sua capacidade para desenhar algoritmos, calcular números impossíveis ou desenhar hipóteses de novas matrizes, talvez até de um mundo novo.
Em que momento aconteceu a separação entre o que ele era e o que passou a ser? Quem são os nossos filhos? O que falam quando falam, como amam quando amam, como pensam e desejam, o que acham de nós? Em que minuto nos tornámos chatos e começámos a repetir fórmulas que antes criticávamos? Sei que não amamos os nossos filhos, o que sentimos está para lá disso. Talvez seja essa a razão para falharmos: a inevitabilidade de, aos nossos olhos, nunca deixarem de ser crianças, nunca deixarem de ser os que podem cair da cama ou engasgarem-se quando não estamos perto.