Conta-se que em maio de 1968 o romancista e professor de literatura Marcel Jouhandeau, ao ver passar um grupo de estudantes, lhes terá gritado: "Vão para casa! Daqui a 20 anos, todos vós sereis notários". Mito ou verdade, a frase sintetiza com pragmatismo o facto de muitas figuras revolucionárias acabarem acomodadas em posições ou princípios quase antagónicos aos que no passado tinham defendido, numa tendência muito humana de deixar cair as grandes causas e sonhos de juventude à medida que os anos passam.
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A clivagem de gerações é tão antiga como a humanidade, mas talvez evidente como nunca no tema do ambiente. Tornou-se assumido o princípio de que os jovens são mais conscientes e atentos à causa, havendo uma narrativa sobre o tema que assenta até nalguma agressividade entre gerações. Porque nós falhamos e falhámos, e o planeta paga com diferencial essa fatura, que será sentida à medida que se agravarem os fenómenos meteorológicos severos.
Com o dom oratório que lhe é reconhecido, Obama proferiu na COP26 uma mensagem com particular relevo neste contexto. Não apenas para os mais novos a quem se dirigia, mas para todos os que acreditam na necessidade de mudança e na ação incessante pelo melhor. Compreendendo que se mantenham "zangados", ou seja, conscientes e motivados, apelou a que convertam esse sentimento em ação.
"Não amuem", sublinhou o antigo presidente dos EUA. E esse é um dos pontos mais sensíveis em todas as revoluções. Claro que mudar implica força, coragem, tantas vezes ao longo da história o uso da força. Mas quando deixamos que o azedume nos contamine, corremos o risco de ser atropelados pelas próprias convicções. Desde logo porque caímos facilmente no excesso de juízos e na falta de empatia, ou num radicalismo nem sempre gerador das melhores soluções.
A mensagem vale para quase tudo na vida, do trabalho à política. Até, se olharmos ao momento que vivemos, para a vida partidária. Mas vai muito além dela, porque a política é a ação de cada indivíduo para que melhore a vida de todos. Amuar menos e agir mais faria milagres se cada um, no seu espaço e à sua escala, se comprometesse com a mudança.
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