Soubemos esta semana, através do Eurostat, que o custo da mão de obra em Portugal caiu 8,8% no último trimestre de 2014, face ao mesmo período do ano anterior, naquele que foi o maior recuo entre os estados da União Europeia. Este é o tipo de notícia que me faz disparar todos os alertas, pois indicia uma irritante e gravosa persistência de um modelo de competitividade assente na mão de obra barata.
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O discurso da reindustrialização, que em Portugal vai e vem com a facilidade com que muda o vento, revela uma atração pela vocação do país-fábrica, com um Norte a produzir muito e barato, uma cidade-capital a escriturar os parcos ganhos e a reter o seu quinhão, fazendo uso de máquinas sofisticadas (e opacas) como o setor financeiro e o sistema de cobrança de impostos, e o estrangeiro a dominar os mais lucrativos elos da cadeia de valor.
Num artigo recente publicado no site tecnológico Techcrunch, Tom Goodwin recordava que algumas das mais valiosas empresas do Mundo se focavam apenas na interface com os clientes, significando que não é na produção que se ganha mais dinheiro. Assim é com a Uber, que não é proprietária de veículos, apesar de ser a maior empresa de táxis do Mundo; com o Facebook, que, sendo o mais popular veículo de média, não cria qualquer conteúdo; também com o Alibaba, o mais valioso retalhista que, imagine-se, não tem inventário; e ainda com a Airbnb, a maior agência de alojamento, que não é proprietária de um único metro quadrado.
Parece-me óbvio que, mais importante do que apontar as baterias para o produto e a produção, importa desenvolver políticas públicas que dinamizem os processos de colocação dos bens e serviços à escala internacional. Alguns dos setores de maior sucesso dos últimos anos, que no passado eram meros "clusters" de produção com pouquíssimo valor acrescentado, mostraram que Portugal tem condições para deixar de ser o país-fábrica e subir na cadeia de valor. Assim foi com o calçado e com os vinhos. A linha comum do avanço destes setores foi a incorporação de mais conhecimento, incluindo tecnologias de produção, design, marketing, logística e sistemas de informação. O "gap" de competitividade nestes setores, face à concorrência internacional, foi sendo paulatinamente colmatado, num processo que não tem, por definição, termo.
Estes avanços podem e devem ser replicados noutros setores de elevado potencial, como os "clusters" do têxtil e confeção, do agroalimentar e do turismo. Mas de uma coisa podemos estar certos: não serão jamais conseguidos à custa de mão de obra barata.