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E a tragédia urbano-política-social não diz respeito apenas ao abandono, ruína, especulação e etc., que abrangem milhares de habitações. Pouco se fala da desocupação de espaços comerciais. Ou melhor: de lojas. As vazias serão milhares no país e centenas nesta cidade. “Só para ajudar à missa”, disse-me um amigo que, no fim-de-semana, atravessando o Porto devagarinho, das Antas até à Foz, pelo miolo da cidade, foi verificando o grande número de lojas, o mesmo é dizer os quilómetros de passeios com rés-do-chão devolutos, à espera de quem lhes dê vida. Montras com grades, jornais e papéis colados e sem manutenção constituem a imagem enganadora de uma cidade decadente. A menos que apareça um plano engenhoso, ambicioso sem preconceitos e pruridos, que ressuscite ruas inteiras, de que 31 de Janeiro é exemplo flagrante. E não deixa de ser responsabilidade colectiva, o facto de, ao longo dos últimos, talvez, setenta anos, edificar prédios com, obrigatoriamente, lojas ao nível do passeio. Os “empreendedores”, ignorando o que era lógico, foram-nas construindo, apesar de não haver lojistas, negócios e clientes para tanta frente comercial, como a realidade o comprova. No século XIX e início do século XX, a maior parte dos pisos térreos das construções do Porto eram ligeiramente sobre-elevados, de modo a que o rés-do-chão pudesse ter uso residencial, ao abrigo dos olhares de quem circulava nos passeios. E, no entanto, neste início do século XXI, continuamos a ver prédios em construção, prevendo lojas no rés-do-chão. Aprendemos pouco com as lições do passado e nada com os seus erros.
*O autor escreve segundo a antiga ortografia