Assinalaram-se na mesma semana duas datas que deveriam estar interligadas: no dia 31 de maio celebrou-se o Dia do Acolhimento Familiar e no dia 1 de junho o Dia da Criança. Infelizmente, estas efemérides contrastam com a forma como o próprio Estado trata as crianças. E o acolhimento familiar, continuando a ser residual, é apenas um desses exemplos.
A lei é inequívoca ao privilegiar o acolhimento familiar em detrimento do acolhimento residencial, especialmente para crianças até aos seis anos. Havendo a necessidade de executar uma medida de promoção e proteção em regime de colocação, retirando uma criança do seu ambiente natural de vida, o acolhimento familiar é a melhor opção. Não estamos no domínio das opiniões, está cientificamente comprovado.
Portugal continua a estar na cauda da Europa no que diz respeito ao acolhimento familiar. Malta e Irlanda têm mais de 90% das suas crianças em acolhimento familiar, em detrimento da institucionalização. É desolador olhar para o caso português: 4,4%.
Esta semana eram tornados públicos os números desta realidade que nos devia envergonhar: no final do ano passado havia 278 crianças colocadas em 211 famílias de acolhimento, num total de 6369 crianças. A esmagadora maioria destas crianças está em instituições, aguardando aí e durante anos a definição do seu projeto de vida.
Nos últimos anos a evolução foi positiva, mas muito ténue. Esta semana, o Governo veio anunciar o objetivo de reduzir o número de crianças institucionalizadas para 1200 até 2030. A definição de metas é importante, mas é inquietante não compreendermos, nem ser explicado, de que forma se vai passar de mais de seis mil crianças institucionalizadas para cerca de 1200. Infelizmente, o Governo não explicou como o pretende fazer. Seja reforçando o acolhimento familiar, seja apostando em respostas como os apartamentos de autonomia, são precisos meios e medidas que não são conhecidas para tornar este objetivo credível.
Haverá uma aposta forte em ações de sensibilização e divulgação do acolhimento familiar? Haverá um reforço dos protocolos de cooperação? Do ponto de vista institucional, haverá espaço para que os Centros de Apoio Familiar e Aconselhamento Parental ou Contratos Locais de Desenvolvimento Social participem de modo mais consistente na intervenção ao nível do acolhimento familiar? Há, de facto, inúmeras perguntas que se colocam. Não basta anunciar objetivos ambiciosos sem ter medidas que consigam torná-los realidade. Estamos habituados a essa prática do Governo, mas num tema tão sensível como este era dispensável.
*Jurista
