Cumprindo uma tradição antiga da política portuguesa, tinha de se encontrar um culpado único para um problema complexo como é a crise na habitação. Ignorando factos, memória histórica e contextos, atribuiu-se ao alojamento local (AL) o papel de vilão da história e a responsabilidade pela escalada do mercado imobiliário - embora o setor tenha impacto residual e basicamente circunscrito aos centros históricos de Lisboa e Porto.
Corpo do artigo
Contrariar este discurso levaria tempo e espaço de que esta crónica não dispõe. No entanto, há números básicos que refutam a teoria, muito apregoada no tempo pré-pandemia, por ativistas e personalidades como o saudoso vereador Robles, cuja natureza demagógica foi por todos conhecida. Infelizmente, o Governo decidiu reciclar a tese e aproveitá-la em forma de lei, com o recente programa Mais Habitação.
Vamos aos dados: o AL representa pouco mais de 3% de todo o parque habitacional existente no país. E pouco mais de 6% dos mais de 1,8 milhões de casas que, ou estão desocupadas, ou destinam-se a segunda habitação. Vários estudos apontam, ainda, para o facto de os imóveis entretanto convertidos em AL não terem, na sua maioria, um uso habitacional anterior - em Lisboa, segundo o ISCTE, eram cerca de 80% em 2019.
Estes seriam argumentos já suficientes para desmontar a narrativa. Mas é preciso dizer que, por exemplo no Porto, esta atividade induziu a renovação de centenas de prédios e milhares de frações habitáveis na Baixa. E que além da reabilitação dos imóveis, devolveu vida a bairros, ruas e vielas da cidade que estavam perfeitamente moribundas e despidas de gente há duas ou três décadas.
Estou, assim, a dizer que devemos transformar os centros urbanos em estâncias turísticas?
Não! Para isso, estão aí os instrumentos de regulação que, como recentemente fez a C. M. Porto, permitem às autarquias criar equilíbrios e gerir a oferta habitacional, de acordo com as circunstâncias. Já a opção de criar impostos extraordinários, como propõe o Governo - tratando o AL como uma grande atividade lucrativa -, agravar o IMI ou impor 2030 como prazo de validade das licenças, é condenar a atividade de forma sumária. Não é a encontrar culpados que se vai resolver o problema.
*Presidente Associação Comercial do Porto