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Vamos com meia dúzia de anos de crise, aumentos de impostos, diminuição do poder de compra, crescimento da dívida e do desemprego, a hipoteca da soberania, a canga da troika. Desacreditamos do sistema político, desconfiamos da Justiça,...é o nosso ânimo coletivo que desaba, como se tivéssemos cavado um buraco negro na nossa história.
E, no entanto, quem se lembra, ainda há pouco, dos anos de verdadeira euforia em que celebrámos o novo Portugal, moderno, aberto e europeu, entre a Expo-98, o abraço a Timor e o Euro-2004?
Andamos, agora, no extremo oposto.
As nossas manifestações de ânimo oscilam entre o excessivo entusiasmo e o pessimismo depressivo, como se esta bipolaridade coletiva fosse a sina identitária da nação portuguesa, uma das mais antigas da Europa.
A verdade é que o orgulho e a autoestima também dependem de nós.
Há anos, um dos meus acionistas, porventura o mais generoso, contou-me uma anedota, no seu jeito ímpar para as contar. Só a interiorizei e levei verdadeiramente a sério quando me apercebi que contava sempre a mesma a todos os que acabava de contratar.
E era assim, abreviando: juntam-se dois amigos de longa data, carreiras e trajetos paralelos, um macambúzio e deprimido, outro brilhante e luminoso.
- O meu segredo, pá, é o cavalo que tenho lá em casa. Impagável. Acorda-me os miúdos, veste-os, dá-lhes o pequeno-almoço e leva-os à escola. Cozinha, apoia nas tarefas domésticas, serve umas tapas quando tenho amigos e, em dias especiais, até toca uns acordes de piano...
- Oh, pá, vende-me o cavalo!
- Estás doido?!
Discutem se vende ou não vende e, finalmente, o animal muda de casa. Dias depois, o novel proprietário aparece-lhe à porta, braço ao peito, cabeça entrapada e quadrúpede pela trela, para o devolver.
- Enganaste-me! O cavalo é uma besta. Deu-me cabo da mobília, escoiceou-me a sogra, e olha o meu estado.
- Tu não digas mal do cavalo! - Discutem de novo, agora sobre as maldades do bicho e o negócio frustrado.
- Tu não digas mal do cavalo!
- Ai digo, digo. E não digo mal, porquê?
- Porque, senão, não o vendes!...