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O triste espetáculo a que assistimos do lado de lá da Mancha desde que os britânicos iniciaram a discussão sobre o Brexit tem acumulado episódios e poucos serão dignos de figurar nas páginas de ouro da história política da democracia mais antiga da Europa. Com a chegada ao poder de Rishi Sunak, o terceiro primeiro-ministro inglês desde as eleições de 2019, levanta-se a questão da legitimidade política do novo hóspede de Downing Street, que assume o cargo sem ser submetido ao escrutínio do povo, sucedendo a Liz Truss que tão-pouco o teve.
Bem sei que o sistema parlamentar assim o permite e a legalidade desta sucessão não está posta em causa, já que, tal como em Portugal, os ingleses não votam no primeiro-ministro, mas sim nos deputados que vão ter um lugar no Parlamento. Mas 2019 já foi há tanto tempo! Quase três anos desde as eleições de dezembro desse ano, diz-nos a matemática, mas a distância é mais profunda do que aquela que nos indica o calendário. Desde então, o Mundo passou por uma pandemia, esteve fechado em casa, assistiu ao eclodir de uma guerra na Europa e disse adeus à única rainha que tinha conhecido até então.
Não seria tempo de voltar a ouvir os eleitores? É que nem dentro dos "tories" Sunak conseguiu ganhar na corrida ao poder frente a Truss, há apenas dois meses. E, se olharmos para as sondagens do site YouGov, percebe-se que algo mudou na sociedade inglesa: os conservadores teriam apenas 19% dos votos e os trabalhistas 56%. Talvez assim se perceba a falta de vontade de saber o que pensam os britânicos. E o que diriam eles de Sunak? Avaliando o currículo, não parece ser o político mais empático, num momento em que a inflação aperta como um garrote o pescoço das famílias.
Superficialmente, podíamos acreditar que é uma mudança interessante ter uma pessoa de origem indiana a liderar os destinos do reino, mas será que essa representatividade étnica se materializa em algo diferente no que concerne a políticas públicas? Rishi Sunak é milionário (é mais rico do que o rei), estudou em Oxford e Stanford, foi analista financeiro na City e trabalhou num banco de que talvez já tenha ouvido falar: o Goldman Sachs. Enquanto ministro das Finanças de Boris Johnson, foi um dos fervorosos apoiantes da política de deportação para o Ruanda de migrantes à procura de asilo, e já na corrida à liderança dos conservadores sublinhou a posição de "linha dura" com a imigração.
Em que difere Sunak da elite branca e retrógrada que tem ocupado Westminster nos últimos anos?
*Jornalista