<p>Julgo que é velha esta anedota: Um certo ministro terá duvidado da precisão matemática de que 2 e 2 eram sempre 4. Vai daí, chama ao seu gabinete, um por um, três dos seus assessores. Ao primeiro, licenciado em Matemática, pergunta-lhe o ministro: "Ó senhor doutor, será que 2 e 2 são sempre 4?" Responde-lhe de pronto o matemático: "Ó senhor ministro, 2+2 são sempre 4". Chamado o segundo assessor, formado em Linguística, à repetida pergunta do ministro, responde: "Depende, senhor ministro, da forma como está escrito. Se está escrito sem vírgula, será 22; se está representado pela fracção 2 sobre 2 será igual a 1". Sem se sentir esclarecido, o ministro interpela um terceiro assessor, este licenciado em Direito, e que responde convictamente: "Ó senhor ministro, 2 e 2 serão sempre o que Vossa Excelência quiser".</p>
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Ora, um dia destes, um porta-voz dos utentes que vêm mantendo uma luta reivindicativa contra o fecho dos serviços nocturnos do SAP em Valença, contrariando os números oficiais apontados para os atendimentos nocturnos naquele SAP da média de 1,7 doentes por noite, declarava que alguém do Ministério, "por maldade ou por engano", tirara a vírgula, pois, os números correctos eram 17. Os discursos cruzados que se ouvem por esse país fora por esta razão ou aquela, por esta luta da disponibilidade de serviços de Saúde ou outros, pela disputa política entre os diferentes partid os ou cidadãos chamados a depor nesta ou naquela comissão, não podem ficar na imprecisão de pôr e tirar vírgulas.
Percebe-se o calor com que determinadas populações desencadeiam processos de luta para manter o mais possível ao pé da porta serviços mínimos de atendimento. Em especial, quando se trata de questões que têm a ver com a saúde das pessoas, as acções reivindicativas facilmente descambam em processos que ultrapassam as fronteiras da razoabilidade e até, pelo que se vê neste caso, as fronteiras seculares das raízes da nação, o que só pode ser atribuível a sentimentos em choque.
Este caso, cujas razões fundamentadas de um lado ou de outro, ou seja, da população ou do Ministério da Saúde, não estou a analisar, exige ser encarado sem troca de vírgulas. Requer discernimento, razoabilidade e interesse público. Das populações locais e de todo o país. Choca-me, por isso, como se joga com esses números. Tirar ou pôr a vírgula tem o profundo valor simbólico de um país que não pode continuar assim.